[nº 16 - "One man Clash"]
“Must I Paint You A Picture?” Com essa pergunta chega ao Brasil um apanhado de 40 canções de um compositor britânico pouquíssimo conhecido do lado de cá do Atlântico, com ressalvas para os Estados Unidos e parte do Canadá, onde falam a mesma língua dele – Billy Bragg.
Enquanto na Europa acaba de sair um cd com todos os singles gravados pelo músico e sua primeira banda punk – o Riff Raff; por aqui, a hora é boa para conhecer a história desse ativista político “exilado” na fúria musical do punk e na tocaia pacifista do folk.
Esse “tesouro nacional”, como estampado recentemente numa manchete do jornal ‘The Times’ ou “Bob Dylan inglês”, título pesado que lhe colocaram sobre os ombros, nasceu em Essex, Inglaterra, no dia 20 de dezembro de 57. No auge do movimento punk, percebeu que a grande arma contra todo “o sistema” era empunhar uma guitarra, berrar palavras de ordem contra a ordem ditada pela coroa britânica. Para fazer isso aos 19 anos de idade, nada melhor do que formar uma banda. Logo o Riff Raff deu sua contribuição para o movimento, lançando seguidos compactos de sete polegadas. A título de curiosidade, o primeiro da série foi relançado, em 2002, numa edição comemorativa de 25 anos. Mas a grande contribuição musical de Billy começaria a ser doada, longe do inflamável terreno do punk, consequentemente, fora do Riff Raff. Foi trabalhando, em seguida, numa loja de discos, e ouvindo muita folk music que ele passou a ver possibilidades menos hormonais e mais harmônicas para extravasar sua inconformidade perante o conservadorismo imposto pela “Dama-de-ferro” Margaret Thatcher.
Integrou um movimento de músicos socialistas, o Red Wedge, que também contou com o ex-The Jam Paul Weller. Um ano depois, em 85, o sucesso veio de tabela, quando Kirsty MacColl gravou uma das suas composições – “A New England”. Ela entrou entre as dez mais da parada inglesa e, não por acaso, é a faixa de abertura (claro, na voz do seu criador) da coletânea recém-lançada em solo brasileiro. Com esse empurrão, Bragg alavancou a carreira de “one man Clash”, munido apenas de versos passionais, ríspidos e poéticos e três instrumentos com grande poder de fogo: sua voz, uma guitarra e um amplificador. Claro que ao longo dos anos, foi conquistando mais e mais respeito e, naturalmente, a colaboração de outros artistas, como Johnny Marr, que toca em “Greetings To The New Brunette”, de 86, e participou também de “Don’t Try This At Home”. No aclamado álbum, lançado em 91, Billy cantou “Sexuality” feita tem parceria com o ex-guitarrista dos Smiths, além de deixar registrado alguns temas sobre suas tragédias pessoais e o ódio contra o racismo e a violência dos hooligans (torcedores fanáticos do futebol inglês). No mesmo disco, dividiu ainda acordes e versos com a dupla do R.E.M. Peter Buck e Michael Stipe.
A história de protestos, sucessos e parcerias de Billy Bragg é longa, passa por composições nunca lançadas por Woddy Guthrie, que registrou num esforço conjunto com o Wilco, e continua sendo contada, atualmente, com o suporte da banda The Blockes, com quem o cantor e compositor inglês dá forma e grava as novas músicas. Mas ele continua a carreira verdadeiramente solo na “The Essential Billy Bragg Tour”, passando a limpo o melhor do melhor, ou seja, algumas das faixas da coletânea “Must I Paint You A Picture?”. Enquanto canta sua história no velho continente, os brasileiros podem ir ouvindo 40 capítulos da mesma saga. Está de ótimo tamanho pra quem até então nem sabia da existência do artista. Com a conta bancária recheada e a sede maior do que o pote dá até pra arriscar vários trocados extras na versão importada e tripla da coletânea, com dez faixas bônus, ou (olha o exagero!) pegar o avião para ver o músico fechar o ano, com um show na Austrália. (T.M.)
[velho esquema] Black Crowes “Amorica” (1994)
“Não foi isso o combinado, eu seria o guitarrista e você seria o vocalista, carregado de mística?”
O trecho do diálogo acima foi tirado do filme “Quase Famosos”, o monumento cinematográfico do ex- jornalista musical Cameron Crowe ao rock n´roll. Em torno de uma banda fictícia, o Stillwater, ele recriou o espírito dos anos 70 refazendo a mitologia estradeira e arquitetada na tríade sexo, drogas e rock das bandas mais emblemáticas da época, como o Led Zeppelin, o Who, Faces...No frase citada, o guitarrista cobra do vocalista a clássica dinâmica das bandas referidas acima.
E se a história narrada por Cameron Crowe em 2000 fosse realmente contemporânea aos anos 90? Bem, seriam grandes as chances da banda retratada ser os Black Crowes. São eles que preenchem perfeitamente todos os clichês que enfeitiçam e ajudam a renovar o público para esse tal de rock n´roll: longos cabelos, solos e shows, um apreço assumido por drogas alucinógenas como o ácido e a maconha, e uma explosiva mistura do binômio paz e amor cunhado pelos hippies com o temperamento instável entre o front man Chris Robinson ( carregado de "mistique", como ensinou o guitarrista fictício Jeff Bebe) e o guitarrista solo, Rich -ainda por cima irmãos, seguindo a tradição encrenqueira dos Davies nos Kinks, dos Reid no Jesus and Mary Chain, e - porque não? -dos Gallagher no Oasis.
Todos estes detalhes se tornariam confrontos que foram capazes de enterrar a banda. Assim como as bandas setentistas, praticamente todas que ousaram repetir em outras décadas o espírito vintage da chamada época “áurea” sucumbiram ao dialogar com seu próprio tempo. Basta lembrar do “falecido” Axl Rose, descansando inquieto com cinzas das glórias passadas do Guns N´Roses, banda que representou de certa forma (e mais intensamente) nos anos 80 o papel “conceitual” exercido pelos Crowes no decênio seguinte.
Se a história dos corvos negros não reprisou o final feliz sugerido em “Quase Famosos”, deixou para a posteridade belos capítulos reais, estórias essas que colocam outras bandas retrô como meros coadjuvantes – do fraco Blind Melon ao irregular Pearl Jam - na saga trilhada em busca do rock n´roll puro, sem gelos , sem misturas mais aparentado com as tradições do r&b and blues do que com o rap, o heavy metal ou adjacências.
Em 94 eles escreveram o capítulo mais perfeito de sua obra. “Amorica” não tem a crueza hard da estréia (“Shake Your Money Maker”, de 90) , nem a elaboração do segundo(“The Southern Harmony ..” de 92). Mas a lisergia presente no disco supera qualquer outro trecho da viagem sonora percorrida por eles. O sublime wah-wah presente em “A Conspiracy” embala a letra que parece ser uma resposta direta aos críticos da banda sobre a originalidade da banda (“I never stolen nothing, not a thing”) e ainda fazia piada sobre as bandas escolhidas pela imprensa para ser a sensação da temporada (“Did you ever hear the one about last year/It was all a lie/Ain´t it funny how time flies?”). “High Head Blues” tenta um embalo latino, um clima meio Santana, cujo swing acaba desaguando em um refrão memorável. Banda boa que se que preza têm de saber escrever baladas memoráveis, e se os Crowes tiveram sua carreira bastante impulsionada pelo sucesso da linda “She Talks To Angels”, do primeiro disco, “Amorica” atesta essa qualidade dos irmão Robinson com duas pérolas: a fossenta “Cursed Diamond” , que fala em “odiar a si mesmo” e o contra ponto em “Nonfiction”, letra alto astral que recorre aos amores deixados pela estrada. Estrada brilhantemente enaltecida na chapada “Wiser Time”, que fala em percorrer “ mais 3000 milhas em três dias”, em um balanço que poderia ter a assinatura de qualquer instituição clássica setentista, como o Lynard Skynyrd ou Almann Brothers.
As cenas dos próximos capítulos mostrariam que o vocalista Chris Robinson se casaria com a mocinha -a atriz Kate Hudson, não por acaso a protagonista do filme de Crowe. Ainda lançariam os peso- médios “Three Snakes and One Charm”(96), e “By Your Side”(99) e –glória máxima- dividiram um álbum ao vivo com Jimmy Page, resgatando o repertório do Led Zeppelin.Em 2001 lançaram o belo canto do cisne “Lions”, quando pouca gente notou que o vôo dos Crowes agora já tinha destino certo- o chão. Agora é esperar quem vai assumir a lacuna deixada por eles neste início de novo século: fazer rock com prazo de validade vencido a mais de trinta anos, mas ainda capaz de criar histórias boas como essas. (T.P.)