[esquemaNovo]

Versão virtual da coluna [esquemaNovo] sobre música pop, produzida por Thiago Pereira e Terence Machado e publicada, todas às quintas no jornal "Hoje em Dia".

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Local: Belo Horizonte, Minas Gerais, Brazil

Pai, católico não praticante, taurino (por teimosia, hehehe), cruzeirense não ortodoxo, ainda jornalista, ex-baterista com recaídas frequentes, ciclista "pós-amador".

sexta-feira, novembro 26

[nº 16 - "One man Clash"]



“Must I Paint You A Picture?” Com essa pergunta chega ao Brasil um apanhado de 40 canções de um compositor britânico pouquíssimo conhecido do lado de cá do Atlântico, com ressalvas para os Estados Unidos e parte do Canadá, onde falam a mesma língua dele – Billy Bragg.



Enquanto na Europa acaba de sair um cd com todos os singles gravados pelo músico e sua primeira banda punk – o Riff Raff; por aqui, a hora é boa para conhecer a história desse ativista político “exilado” na fúria musical do punk e na tocaia pacifista do folk.

Esse “tesouro nacional”, como estampado recentemente numa manchete do jornal ‘The Times’ ou “Bob Dylan inglês”, título pesado que lhe colocaram sobre os ombros, nasceu em Essex, Inglaterra, no dia 20 de dezembro de 57. No auge do movimento punk, percebeu que a grande arma contra todo “o sistema” era empunhar uma guitarra, berrar palavras de ordem contra a ordem ditada pela coroa britânica. Para fazer isso aos 19 anos de idade, nada melhor do que formar uma banda. Logo o Riff Raff deu sua contribuição para o movimento, lançando seguidos compactos de sete polegadas. A título de curiosidade, o primeiro da série foi relançado, em 2002, numa edição comemorativa de 25 anos. Mas a grande contribuição musical de Billy começaria a ser doada, longe do inflamável terreno do punk, consequentemente, fora do Riff Raff. Foi trabalhando, em seguida, numa loja de discos, e ouvindo muita folk music que ele passou a ver possibilidades menos hormonais e mais harmônicas para extravasar sua inconformidade perante o conservadorismo imposto pela “Dama-de-ferro” Margaret Thatcher.

Integrou um movimento de músicos socialistas, o Red Wedge, que também contou com o ex-The Jam Paul Weller. Um ano depois, em 85, o sucesso veio de tabela, quando Kirsty MacColl gravou uma das suas composições – “A New England”. Ela entrou entre as dez mais da parada inglesa e, não por acaso, é a faixa de abertura (claro, na voz do seu criador) da coletânea recém-lançada em solo brasileiro. Com esse empurrão, Bragg alavancou a carreira de “one man Clash”, munido apenas de versos passionais, ríspidos e poéticos e três instrumentos com grande poder de fogo: sua voz, uma guitarra e um amplificador. Claro que ao longo dos anos, foi conquistando mais e mais respeito e, naturalmente, a colaboração de outros artistas, como Johnny Marr, que toca em “Greetings To The New Brunette”, de 86, e participou também de “Don’t Try This At Home”. No aclamado álbum, lançado em 91, Billy cantou “Sexuality” feita tem parceria com o ex-guitarrista dos Smiths, além de deixar registrado alguns temas sobre suas tragédias pessoais e o ódio contra o racismo e a violência dos hooligans (torcedores fanáticos do futebol inglês). No mesmo disco, dividiu ainda acordes e versos com a dupla do R.E.M. Peter Buck e Michael Stipe.

A história de protestos, sucessos e parcerias de Billy Bragg é longa, passa por composições nunca lançadas por Woddy Guthrie, que registrou num esforço conjunto com o Wilco, e continua sendo contada, atualmente, com o suporte da banda The Blockes, com quem o cantor e compositor inglês dá forma e grava as novas músicas. Mas ele continua a carreira verdadeiramente solo na “The Essential Billy Bragg Tour”, passando a limpo o melhor do melhor, ou seja, algumas das faixas da coletânea “Must I Paint You A Picture?”. Enquanto canta sua história no velho continente, os brasileiros podem ir ouvindo 40 capítulos da mesma saga. Está de ótimo tamanho pra quem até então nem sabia da existência do artista. Com a conta bancária recheada e a sede maior do que o pote dá até pra arriscar vários trocados extras na versão importada e tripla da coletânea, com dez faixas bônus, ou (olha o exagero!) pegar o avião para ver o músico fechar o ano, com um show na Austrália. (T.M.)

[velho esquema] Black Crowes “Amorica” (1994)



“Não foi isso o combinado, eu seria o guitarrista e você seria o vocalista, carregado de mística?”

O trecho do diálogo acima foi tirado do filme “Quase Famosos”, o monumento cinematográfico do ex- jornalista musical Cameron Crowe ao rock n´roll. Em torno de uma banda fictícia, o Stillwater, ele recriou o espírito dos anos 70 refazendo a mitologia estradeira e arquitetada na tríade sexo, drogas e rock das bandas mais emblemáticas da época, como o Led Zeppelin, o Who, Faces...No frase citada, o guitarrista cobra do vocalista a clássica dinâmica das bandas referidas acima.

E se a história narrada por Cameron Crowe em 2000 fosse realmente contemporânea aos anos 90? Bem, seriam grandes as chances da banda retratada ser os Black Crowes. São eles que preenchem perfeitamente todos os clichês que enfeitiçam e ajudam a renovar o público para esse tal de rock n´roll: longos cabelos, solos e shows, um apreço assumido por drogas alucinógenas como o ácido e a maconha, e uma explosiva mistura do binômio paz e amor cunhado pelos hippies com o temperamento instável entre o front man Chris Robinson ( carregado de "mistique", como ensinou o guitarrista fictício Jeff Bebe) e o guitarrista solo, Rich -ainda por cima irmãos, seguindo a tradição encrenqueira dos Davies nos Kinks, dos Reid no Jesus and Mary Chain, e - porque não? -dos Gallagher no Oasis.

Todos estes detalhes se tornariam confrontos que foram capazes de enterrar a banda. Assim como as bandas setentistas, praticamente todas que ousaram repetir em outras décadas o espírito vintage da chamada época “áurea” sucumbiram ao dialogar com seu próprio tempo. Basta lembrar do “falecido” Axl Rose, descansando inquieto com cinzas das glórias passadas do Guns N´Roses, banda que representou de certa forma (e mais intensamente) nos anos 80 o papel “conceitual” exercido pelos Crowes no decênio seguinte.

Se a história dos corvos negros não reprisou o final feliz sugerido em “Quase Famosos”, deixou para a posteridade belos capítulos reais, estórias essas que colocam outras bandas retrô como meros coadjuvantes – do fraco Blind Melon ao irregular Pearl Jam - na saga trilhada em busca do rock n´roll puro, sem gelos , sem misturas mais aparentado com as tradições do r&b and blues do que com o rap, o heavy metal ou adjacências.

Em 94 eles escreveram o capítulo mais perfeito de sua obra. “Amorica” não tem a crueza hard da estréia (“Shake Your Money Maker”, de 90) , nem a elaboração do segundo(“The Southern Harmony ..” de 92). Mas a lisergia presente no disco supera qualquer outro trecho da viagem sonora percorrida por eles. O sublime wah-wah presente em “A Conspiracy” embala a letra que parece ser uma resposta direta aos críticos da banda sobre a originalidade da banda (“I never stolen nothing, not a thing”) e ainda fazia piada sobre as bandas escolhidas pela imprensa para ser a sensação da temporada (“Did you ever hear the one about last year/It was all a lie/Ain´t it funny how time flies?”). “High Head Blues” tenta um embalo latino, um clima meio Santana, cujo swing acaba desaguando em um refrão memorável. Banda boa que se que preza têm de saber escrever baladas memoráveis, e se os Crowes tiveram sua carreira bastante impulsionada pelo sucesso da linda “She Talks To Angels”, do primeiro disco, “Amorica” atesta essa qualidade dos irmão Robinson com duas pérolas: a fossenta “Cursed Diamond” , que fala em “odiar a si mesmo” e o contra ponto em “Nonfiction”, letra alto astral que recorre aos amores deixados pela estrada. Estrada brilhantemente enaltecida na chapada “Wiser Time”, que fala em percorrer “ mais 3000 milhas em três dias”, em um balanço que poderia ter a assinatura de qualquer instituição clássica setentista, como o Lynard Skynyrd ou Almann Brothers.
As cenas dos próximos capítulos mostrariam que o vocalista Chris Robinson se casaria com a mocinha -a atriz Kate Hudson, não por acaso a protagonista do filme de Crowe. Ainda lançariam os peso- médios “Three Snakes and One Charm”(96), e “By Your Side”(99) e –glória máxima- dividiram um álbum ao vivo com Jimmy Page, resgatando o repertório do Led Zeppelin.Em 2001 lançaram o belo canto do cisne “Lions”, quando pouca gente notou que o vôo dos Crowes agora já tinha destino certo- o chão. Agora é esperar quem vai assumir a lacuna deixada por eles neste início de novo século: fazer rock com prazo de validade vencido a mais de trinta anos, mas ainda capaz de criar histórias boas como essas. (T.P.)


quinta-feira, novembro 18

[nº15 - Um fim de ano OTOTOI!!!]

A expressão Ototoi (excelente, em tupi guarani) era uma espécie de piada interna entre a equipe da extinta e combativa produtora cultural Motor Music, que durante uma década oxigenou Belo Horizonte – e de tabela, o resto do país - com bons shows, eventos e claro, a simpática lojinha de discos situada na Savassi. E é no mesmo bairro, que parte da equipe da Motor e o dono do Café com Letras, Bruno Golgher, voltam a mobilizar a cidade, desta vez, com a Casa Ototoi. No mesmo endereço onde se situava a charmosa Casa Goya, na esquina da Fernandes Tourinho com Getúlio Vargas, a Ototoi pretende ser “um evento; nem um bar, nem um restaurante, é um evento onde ocorrem diversas coisas ao mesmo tempo”, garante Fernanda Azevedo, uma das idealizadoras do projeto. A programação da Ototoi, concebida para funcionar 24 horas, começou no último dia 14 e termina depois de um mês exato de shows, palestras, DJ´s e muito mais. Fernanda falou um pouco mais sobre essa idéia...excelente. (T.P.)



EN: Não foi doloroso montar uma casa com uma programação tão bacana, já com data para acabar?

Fernanda: Na verdade não. Nunca foi nosso objetivo montar uma casa, montamos a Ototoi devido à falta de estrutura em BH. Então, ao invés de procurar um lugar e fazer com que ele se adaptasse ao nosso projeto, montamos a casa de uma vez. A idéia é que a Ototoi funcione como uma grande festival estendido, onde ninguém fique preocupado em perder parte a programação durante este mês em que funcionaremos.

EN: Como foi montar a programação musical da casa?

Já tinham algumas bandas que a gente estava a fim de trabalhar a muito tempo, como é o caso do Ramirez (RJ) . O ESS(PR) se apresentou no último Indie Rock Brasil, mas como chegaram atrasados, foram os últimos a tocar. Mas eles fizeram um show maravilhoso e a gente estava querendo muito trazê-los novamente. E por aí fomos montando a programação: quais bandas topariam e queriam vir, quem estava disponível...Porque é um esquema independente ainda, apesar de termos conseguido patrocínio para ajudar a montar a estrutura da casa, não temos muita verba para gastar, especificamente com o pessoal das bandas.

EN: O projeto ainda inclui uma micro boate? A idéia era ter uma espécie de inferninho, com poucas pessoas dançando espremidas?

Eu fico brincando que é assim: fomos montando a casa, e a partir do momento que não tínhamos mais nada para inventar, conseguíamos inventar mais alguma coisa!(risos). Pegamos a parte de baixo da casa (onde antes funcionava a adega), que é bem reduzida, o ideal para se transformar em um inferninho. No primeiro dia nem funcionou tão bem, mas no segundo, todos os DJ´s vieram me procurar pedindo: “Quero tocar no inferninho! Por Favor!”.

EN: A idéia de funcionar 24 horas é para transformar o Ototoi em um ponto de encontro entre as pessoas?

Sim, estamos tentando aproveitar todos os horários possíveis. Além de toda programação cultural, estamos promovendo também workshops de música eletrônica, cursos de DJ nos finais de semana...Enfim utilizar todos os horários possíveis, já que não temos muitas opções aqui em BH.

EN: Ano que vêm a Ototoi vai para ocupar outro espaço da cidade? A idéia original é continuar?

A Ototoi já foi concebida com esta idéia, de funcionar uma vez por ano aqui em Belo Horizonte, e inclusive sair para outros lugares do Brasil.

E a festa continua, antes da chegada do Papai Noel (se é que você acredita nele!)

Encorpando a lista “Ototoi” de atrações de fim de ano, em Beagá, o tradicional espaço roqueiro do bar “A Obra” promete movimentar a cidade com vários shows imperdíveis. Dois deles merecem destaque: o da matilha sulista Cachorro Grande que chegará à cidade, no dia 08 de dezembro, para mostrar o repertório do segundo disco (“As próximas horas serão muito boas”), lançado este ano pela revista Outra Coisa e um dos melhores produzidos na cena independente, em 2004.



Quem também vai lançar um novo trabalho pela revista e aparecer por aqui para divulga-lo é Rogério Skylab. Seu novo cd – Skylab V – acompanhará a edição de dezembro. Se exite um cara realmente alternativo e maldito na música brasileira, atualmente, essa figura é Skylab. O músico carioca é mestre em remexer o lixo urbano, esbravejar de forma bizarra os maiores disparates do mundo capitalista e revelar em tom sarcástico todas as fragilidades do ser humano. No disco que chegará às bancas e lojas de revistas no mês que vem, ele disparou até contra a “esterilizada” apresentadora do Jornal Nacional Fátima Bernardes. Por essas e muitas outras, o show de Skylab (dia 16/12) entra, desde já, no rol dos imperdíveis. Não é todo dia que o público pode conferir a performance de um cantor e compositor que poderia muito bem ser um serial killer ou um “matador de passarinho”! Do lixo ao luxo, o show deve continuar e pra quem prefere a classe do jazz ao invés de encarar o universo enfumaçado e rocker da Obra a dica é correr e garantir o quanto antes um ingresso para a apresentação da cantora norte-americana Norah Jones, no Marista Hall. Acredite se quiser, depois do cancelamento do show de Chrissie Hynde, em função da baixa venda de ingressos, a nova diva do jazz mundial deve dar o ar da graça em Belo Horizonte, no próximo dia 11. Antes dela, Frejat & cia. oficializam a volta do Barão Vermelho, em solo mineiro. Será uma excelente oportunidade pra conferir se o “velho novo” Barão retorna com fôlego suficiente pra superar o rock ‘n roll raivoso de bandas como o Cachorro Grande. Ou se o grupo quer mesmo é um lugar na repartição pública do rock, na mesa ao lado dos Titãs. Longe desse duelo, será possível que alguém ainda não esteja satisfeito com a programação apresentada até aqui? Se for, é certo que esse alguém estará com os olhos vidrados no palco do Marista, no dia 03 de dezembro, enquanto a vocalista Tarja Turunen da banda finlandesa Nightwish estiver gastando muitos agudos operísticos na massa sonora de metal melódico (até hoje não consegui entender bem o que é isso?) produzida por seus comparsas. Viu só? Tem gosto pra tudo! Nada mais justo que tenha show pra tudo quanto em gosto! (T.M.)

sexta-feira, novembro 12

ro [nº 14 - Especial TIM Festival 2004 / 1ª parte]



Kraftwerk – “Nós Robôs”

É preciso desacelerar os batimentos por minuto, pegar o Trans Europe Express e viajar pela música eletrônica do Kraftwerk para, então, compreendê-la. Ir direto ao Chemical Brothers ou algum outro artista do gênero pode provocar um êxtase instantâneo e passageiro e dar uma noção incompleta do que vem a ser o universo musical eletrônico. Afinal, os djs só chegaram aos “block rockin’ beats”, após o “boing boom tschac” dos alemães. Quatro homens que substituem robôs na manipulação de seqüências sonoras, batidas, vozes e imagens e, por fim, deixam os robôs substituí-los em uma das faixas do set. Eles inventaram o robot pop há trinta anos e ainda são capazes de causar a perplexidade em qualquer clubber de última hora, aditivado ou não! Quando a música tem qualidade, o “ecstasy” é causado única e exclusivamente por sua audição, não precisa ser ingerido! Melhor que o show de 98 no Free Jazz a começar pelo repertório quase perfeito, “linkando” o melhor do grupo. Uma experiência audiovisual como poucas!(T.M.)




PJ Harvey – “Uh Huh Her! A Perfect Night PJ”

A sensação é de que PJ Harvey foi a uma festa chique, no cd “Stories from the city, stories from the sea”. Fez shows de abertura pro U2, estampou capas de revistas de moda, etc. Com “Uh Huh Her”, ela parece ter “emendado”, depois da festa de arromba, indo parar num boteco copo sujo pra beber cerveja e tocar com os amigos(punks, diga-se de passagem!). E, se existe uma figura que consegue ser punk, sem perder o glamour, é Miss Polly Jean. Na segunda edição do TIM Festival, ela encarnou exatamente a musa(olha o glamour!) da cena alternativa(a porção punk mora aqui), como anunciado pelo “mc” Zuza Homem de Melo. Tocou um repertório que misturava perfeitamente seus grandes acertos, durante a carreira, acompanhada por uma banda que soube “traduzir” para o universo mais cru e despojado do cd recente mesmo suas as canções mais “confeitadas”. “A Perfect Day Elise” e “Big Exit” foram bons exemplos. Fica a certeza de que ela é uma das cantoras mais versáteis da cena pop, tanto no gogó, quanto na postura e aparência, justamente, por nunca ter deixado o underground. O inverso também é verdadeiro. Só PJ seria capaz de berrar “who the fuck” numa festa chique, sem causar constrangimento. (T.M.)

Primal Scream - “Eu era cego, agora posso ver”

Não é fazendo um mero show que uma banda bate a concorrência, principalmente quando a concorrência é Brian Wilson, ou PJ Harvey. Mas aquilo que o Primal Scream fez não foi um show, foi um estupro sonoro capaz de espantar ouvidos menos aventureiros. Claro que nem todos saíram ilesos da experiência, a começar pelo próprio repertório da banda. A acachapante “Burning Wheel”, por exemplo, perdeu seu poder de fogo (no sentido canábico da coisa) para se resumir em uma mera citação, onde o mágico refrão se transformou em um coro qualquer proferido pelo trôpego vocalista. A faixa de abertura, “Allright” serviu como ruidosa carta de apresentação do que seria o show, mas também como um balde de água fria para quem(como eu) esperava uma abertura mais clássica. Tipo “Accelerator”, ou algo do gênero.

Mas elas vieram, ah, se vieram. A chapa esquentou com “Kill All Hippies”, “Sick City”( dedicada aos Mutantes, a banda mais arroz de festa no quesito dedicatórias de banda gringa quando vem ao Brasil), “Medication”... E virou um pedaço de história na seqüência “Rocks”, “Kowalski” ( lesação eletro-mântrica) e , uma versão segura –que – o mundo –tá- desabando de “Swastika Eyes”, ensinando como uma música pode se agigantar quando apresentada ao vivo. Não precisava, mas ainda teve “Kick Out The Jams”, no último bis, em versão fiel a fúria original, o que dispensa maiores explicações.

Mas, espera aí: cadê “Come Togheter”, uma das melhores dance tracks de todos os tempos? Não veio. “Movin ´On Up”, sim, acompanhada de um coro suado, chapado e com a cabeça zumbindo, que vai reverberar durante muito tempo na memória emotiva dos presentes: “My life shine on!”. Eu ainda fico com a frase inicial deste monumento sonoro: eu era cego, e agora posso ver. Ver como se faz um show de ROCK. (T.P.)



Brian Wilson - Sons animais

As margens do Tim Festival, fiquei em pé e chorei. Quando Brian Wilson anunciou que iria tocar a “canção favorita de Paul Mc Cartney”, senti a garganta fechando, a voz sumindo...Estávamos todos presenciando a execução de “God Only Knows” ali, a poucos metros de distância do homem que, a quase quarenta anos, escreveu em menos de vinte minutos a “canção mais bela já escrita”. Epíteto que já virou clichê até, mas que fez todo o sentido quando seus versos se misturaram a suspiros, fungadas chorosas, e comoções gerais de todos.

(Às margens, porque me localizei estrategicamente nas laterais do palco principal, ao lado das mesas onde indies, tiozinhos, peruas, e grande elenco se acomodavam confortavelmente para passar uma noite com Brian Wilson, como prometia a produção do evento. E como bicão credenciado(?) que fui, me mantive em pé. )

Negócio é o seguinte: passar o currículo do homem aqui é perda de tempo, a questão se resumia em saber se ele conseguiria ficar acordado para o show ou não. A abertura com “Sloop John B” tirou todas as dúvidas quanto a isso, afinal era possível escutar todas aquelas vocalizações, a batida quase circense e, sim, a voz amiudada ,mas perfeita de Wilson . A banda de apoio repetia graciosamente alguns trejeitos dos garotos da praia, e mais do que mera figuração se apresentaram como peça fundamental para o show, garantindo a execução quase perfeita de obras perfeitas como “Wouldn´t It Be Nice?” e a espetacular dobradinha tirada do disco “Smile”, “Heroes And Villains” e aquela que foi eleita a alguns anos atrás como o melhor compacto que a música pop já produziu, “Good Vibrations”. No final do show , surpresa: “Surfin´USA”, “Barbara Ann”, entre outros clássicos. Sons animais, que botaram todo mundo fazendo corinhos e coreografias desavergonhadas embalados pelo pop em estado bruto , afogando qualquer possibilidade da apresentação ganhar o caráter solene que se esperava- ora, estávamos diante de um dos inventores da surf music- sinônimo musical para diversão, certo?

Chorei, dancei, a boca custou a fechar quando executaram “Pet Sounds”( “No voices, only instruments!” bradou ele), enfim passei uma noite com Brian Wilson. Foi bom para você meu amor? Sim, Brian, só Deus sabe que sim. (T.P.)



The Libertines - Tempo para heróis, mas não estes!

Histeria do público, histeria da imprensa, show transmitido ao vivo pela Globo, para a banda mais qualquer –uma do momento. Ruim? Não, não é. Bom? Não, também não. A palavra hype se apresentou em seu sentido mais exato durante a apresentação dos Libertines: confetes exagerados para uma banda sem nada de mais. Vamos deixar combinado o seguinte: o moleque que assistiu ao Mars Volta e saiu sem entender nada tem muito mais a ganhar que se descabelando ao som frouxo dos ingleses.(T.P.)



THE MARS VOLTA – “Mars não volta!”

Platéia reduzida a um terço, comparada a que ficou batendo palminhas no show do Libertines. Câmeras de tv apontadas para o chão e uma banda dando as caras, sem nem ser anunciada. Entram em cena dois cabeludos mal encarados, um dublê de leão-de-chácara nos teclados, além de três sujeitos aparentemente normais – um no baixo, um na bateria e outro na percussão. De repente, uma descarga sonora é arremessada na tenda do TIM Lab. E nada mais volta ao normal até o fim dos espasmos musicais do Mars Volta. E todos que ali estavam, ficam perplexos, pedem bis quando a banda sai de cena. Alguns mandam o corinho “Libertines vai tomar no c*!”. Quem não entrou para o coro devia estar tentando juntar os fragmentos de King Crimson, Led Zeppelin, Björk, MC5 e tantos outros que Cedric Brixler, Osmar Rodriguez & cia. despedaçaram, em pouco mais de meia hora, no TIM Festival 2004. Escalados de última hora pra engrossar o caldo rock do festival o Mars Volta escaldou um free jazz com toda a fúria, só pra contrariar(os fãs do Libertines). (T.M.)

Na segunda parte, mais comentários, rankings absolutamente subjetivos e emocionais, e memórias mil a respeito desta inesquecível edição do Tim Festival.

segunda-feira, novembro 1

[nº 12 - O Clube Dos Corações Solitários na música pop atual]

Pegando emprestado o título do belo livro lançado pelo escritor gaúcho André Takeda, em 2001, “Esquema Novo” seleciona hoje três cantores/compositores que gravaram obras recentes que ajudam a refrescar na memória de que possuímos, infelizmente (nestes casos) um coração (des)preparado para ser machucado.



Beck: ninguém desconfiaria que, o mesmo criador de “Odeley” (considerado pela crítica com um dos melhores discos dos anos 90) pudesse transformar o liquidificador de ritmos presentes naquele disco em uma bebida tão amarga quanto “Sea Change”(2002), seu trabalho mais recente. Em 12 faixas, confinado a solidão, ele dilacera toda e qualquer possibilidade de crença em uma vida a dois. Ele encarnou sem a ironia carregada dos anos 90, o “Loser” que cantou no seu primeiro sucesso. Alguns dos doloridos versos espalhados pelo disco confirmam que a piada já não tem mais graça, como em “Guess I´m Doing Fine” ( “São apenas mentiras que estou contando, são apenas lágrimas que estou chorando, é apenas você que estão perdendo...” .Esse tipo de comparação quase sempre resvala no mau gosto, mas se existe um equivalente á obra prima “Blood On The Tracks”, de Bob Dylan, para o novo século, “Sea Change” ocupa o cargo com maestria, numa coleção impecável de baladas arranjadas especialmente para você, que fica sábado à noite esperando o telefone tocar. Parece que o próximo disco do moço, já pronto, será mais animadinho, com provável participação de Jack White – a face masculina dos White Stripes. Mas a se julgar pela belíssima regravação de “Everybody ´s Gotta Learn Sometime” presente em “Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembrança”, película de o popó do americano estava doendo até pouco tempo.



Elliot Smith: Lançado este ano, “From A Basement On The Hill” expõe as prováveis razoes que fizeram um dos mais talentosos artistas de sua geração a se matar (a teoria mais provável, já que o caso ainda não foi explicado), no ano passado. O disco recém lançado mantém o padrão Elliot Smith de qualidade: canções simples, de matriz beatle que guardam toda a tristeza do mundo em seus acordes e versos. Destaque para “Kings’s Crossing”, onde em certa altura Smith pede que lhe dêem uma “boa razão para não fazer isto”. “Isto”, depois foi explicado: uma facada no peito, em Outubro do ano passado.Uma voz sampleada ,bem baixinho, colocada estrategicamente na mixagem final( ou seja ,depois que Smith já tinha morrido) responde por todos: “because we love you”. Você tem um coração?
Depois de dois discos oficiais lançados, Smith conheceu o gosto da fama em 96, quando seu passeio com a tristeza narrada em “Miss Misery” virou a canção de encerramento do filme “Gênio Indomável” e o levou a uma indicação para o Oscar, com direito a uma desconfortável/desconcertante apresentação na cerimônia oficial. Concorreu com a insuportável “My Heart Will Go On”, cançoneta que garantiu a aposentadoria de sua intérprete Celine Dion e que não poderia estar mais diametralmente oposta que as produções de Smith. Simplórias, beirando o tosco em “Either/Or”(1997), onde em canções como “Between The Bars” ou “Angeles” bastavam apenas a voz e o violão do compositor para lembramos que temos um coração sempre disponível a ser estraçalhado. A obra prima “XO”(1998) e seu posterior “Figure 8”(2000) apresentavam composições mais detalhadas em piano, guitarras e cordas, mas mantiveram o verniz primordial de sua obra, a emoção. Mal comparando, inclusive pela biografia trágica, é uma espécie de Nick Drake para esses dias. Assim como o compositor britânico morto na década de 70, o brilhantismo de Elliot Smith ainda será melhor avaliado.



Rufus Wainright: Lendo as divertidas entrevistas (onde uma simples pergunta pode se transformar numa despudorada cantada) que este trovador canadense concede, é possível imaginar que ele não passa de um bonachão. “Want One”, lançado no ano passado (e que infelizmente não recebeu edição nacional, ao contrário do anterior “Poses”) prova que as coisas são bem mais difíceis quando o gravador está desligado. A capa é feia, mas ilustra perfeitamente o conteúdo do disco: Rufus Wainright se assumindo como um cavaleiro, um gentlemen solitário dentro da mistureba pós-moderna da música contemporânea. A matéria prima sonora para a confecção do disco são basicamente coisas fora de moda, como o romantismo exacerbado, a delicadeza de arranjos vocais e audições dos melhores trabalhos do Queen, Elton John, do John Lennon solo, música clássica. Tudo isso sintetizado em pepitas como “Beautiful Child”, “14th Street” e na espetacular “Go Or Go Ahead” - uma das melhores canções escritas neste novo século-entre outras que compõem a mais bela coleção de melodias da temporada. A verdade é que tem de ser muito macho para surrupiar trechos do batidíssimo Bolero de Ravel e fazer disso uma obra prima pop, como na faixa de abertura, “Oh What A World” . Um disco a flor da pele.

[velho esquema]
Soundgarden “Superunknow” (1994)



Não tem como discutir: “Nevermind” é sem sombra de dúvida “o Disco” da era Grunge. Pra falar a verdade, o álbum do Nirvana é bem mais do que isso e todo mundo sabe. O melhor é constatar que, fora o grande acerto do trio Cobain, Grohl e Novoselic, saíram de Seattle outras bandas e vários outros discos de peso. Do acachapante metal, pulsando no disco de estréia do Alice in Chains ao hard rock “flanelado” – vide aquelas camisas xadrez adotadas como uniformes por 9 entre 10 músicos daqueles tempos – e cheio de boas melodias presentes, em outro primeiro disco acertadíssimo, a geléia perolada “Ten”, expelida durante puro êxtase roqueiro pelo Pearl Jam. Das melhores garagens e inferninhos, vinham outros bons gritos do Screaming Trees, Mudhoney e mais um punhado de novas bandas prontas pra ajudar a explodir as espinhas de toda uma juventude.

E nessa nova detonação rock, um disco surgiu de forma diferente. “Superunknow” veio à tona, escancarando o amadurecimento de uma banda e de todo um movimento – o rock de Seattle, ou Grunge, tanto faz. Após a aparente consagração de “Badmotorfinger” – o Soundgarden mergulhou de cabeça no terreno árduo e sombrio do Black Sabbath pra fazer o melhor disco de hard rock da década. Longe das gravações mais toscas que nortearam quase toda a discografia grunge, Chris Cornell & cia. foram buscar um som cru, áspero e poderoso, em meio a todo o aparato técnico e esquema profissional, que só uma grande gravadora e mercado podem oferecer. Repetindo o feito e efeito “Nevermind” do Nirvana, o Soundgarden pariu um super álbum, que ficou super conhecido em todo o mundo, a partir de uma sucessão de singles irresistíveis: duas das melhores baladas daquele período, “Fell On Black Days” e “Black Hole Sun”, além das pancadas arrasadoras “Spoonman”, “My Wave” e “The Day I Tried to Live”.

Assim sendo, a obra-prima do Soundgarden só pode ser super desconhecida aos ouvidos de quem, definitivamente, não gosta de rock, ou estava fora da órbita terrestre, nos anos 90.