[Cê num conhece o pop rural, sô?]
A música pop quase sempre manteve sua pulsação intimamente ligada ao agito dos grandes centros urbanos, os paraísos de veraneio e lugares da moda. Poucas vezes “pôs os pés na roça”. Geralmente, no campo, o som, assim como tudo o que se faz por lá, é tachado de caipira, com direito a todo o pacote de significados pejorativos que esse adjetivo carrega. Mas como tudo nesse mundão besta vive mudando de figura, movimentos culturais cíclicos vem e vão, trazendo consigo os valores sertanejos pra selva de pedra. Aí, de repente, passa a ser chique ter carros “off road” ou camionetes pra andar apenas “on road”, em vias asfaltadas, sem nunca chafurdá-los na lama. Dessa mesma forma, você pode deparar com pessoas da alta sociedade aderindo ao estilo sertanejo (quase sempre, fantasiados, é verdade!), escutando e até indo a shows de seus astros rurais, em casas de espetáculos luxuosas nas grandes cidades, bem longe das festas de peão boiadeiro e parques de exposição de gado.
Pois o mais novo ícone urbano a receber (ou ser “contaminado” por - dependendo do nível de preconceito de cada um para com os valores do campo) essa carga interiorana é a música pop. Basta prestar um pouco mais de atenção em vários artistas que andam despontando nas principais publicações especializadas, ultimamente, pra sentir o quão caipiras eles andam. Alguns, a bem da verdade, nunca esconderam o gosto pelo capim no canto da boca e o cheiro de esterco.
Ryan Adams “Cold Roses”
É o caso do “trabalhador braçal” Ryan Adams, que semeou suas músicas no terreno country rock do grupo Whiskeytown pra ganhar fama e fortuna na cidade, já em carreira solo. Seu novo rebento em dose dupla é “Cold Roses”, um apanhado de nada menos que dezoito canções pra se ouvir de preferência num celeiro ou curral, com os animais “entrando na mixagem”. Ele é só um nome que parece ter vindo a trator pro meio pop “muderno” e descolado, sendo muito bem recebido, por sinal.
Richmond Fontaine “The Fitzgerald”
Pra alegria dos “indies de plantão”, aqueles que sempre fazem questão de manter a pose de alternativo até no universo roceiro, com lama até os joelhos, a salvação para tirá-los do atoleiro pode estar, por exemplo, nas mãos e voz de Willy Vlautin, cérebro do grupo Richmond Fontaine – novo queridinho do alt country (traduzindo, country alternativo). Seja na fazenda, cidadezinha ou casa de campo, os indies não precisam mais debochar de quem costuma ouvir Garth Brooks, Shania Twain ou Zezé Di Camargo e Luciano, com aquele jeito petulante e indelicado de gente da capital, que vira e diz: “isso aí é brega demais, eu gosto é de Velvet Underground e uma banda nova que eu nem vou te contar qual é”. A partir de agora dá pra dizer, ainda de nariz empinado, porém, depreciando menos os valores alheios (até pelo contrário): “Quando escuto música country, prefiro clássicos (para os indies de plantão, tudo que é “novo”, aclamado pelas revistas gringas e desconhecido do público, em geral, já é “clássico” – alternativo do alternativo, por isso mesmo, clássico!). E o tal disco clássico pode ser “The Fitzgerald”, dos norte-americanos do Richmond Fontaine, que se conheceram pelo interesse comum - acredite, se quiser - em bandas como Hüsker Dü, The Blasters e The Replacements!
The Stands “All Years Leaving”
Outras bandas, cantores e cantoras têm percorrido a mesma estrada de chão batido até lançar seus trabalhos. Um bom exemplo de que a poeira pode fazer bem é “All Years Leaving”, a estréia em cd do quarteto inglês The Stands. Eles são os novos caipiras de Liverpool, claro, deixaram o primeiro single “Here She Comes Again” refletir logo tudo o que têm de beatlemaníacos, embora, o resto do cd esteja muito mais para a caipirice stoneana de “Dead Flowers” ou do grupo norte-americano The Byrds. E olha que o segundo cd veio a galope – “Horse Fabulous”. De quebra, ainda batem na mesma tecla de “Man-made”, o mais recente dos seus vizinhos escoceses e veteranos do Teenage Fanclub.
Teenage Fanclub “Man-made”
Longe de casa, do outro lado do Atlântico, em Chicago, pra ser mais preciso, os membros do Teenage registraram com John McEntire do Tortoise o novo cd. A mudança de ares fez o ensolarado power pop do grupo ficar com uma cara do pôr do sol presente no soft rock do America, por exemplo. É como se os escoceses tivessem optado por ficar trancafiados no “Hotel Califonia” dos Eagles ao invés de encarar mais uma vez a onda “Surfin U.S.A.” dos Beach Boys.
Black Rebel Motorcycle Club “Howl”
Até o som enfumaçado feito pelo Black Rebel Motorcycle Club, cheio de psicodelismo e guitarras inspiradas em Jesus and Mary Chain e Stone Roses, foram parar no uivo de um lobo solitário, evocando o blues de Howlin’ Wolf e outros mestres do estilo. De todas as guinadas, em direção às sonoridades roceiras, foi a desse grupo de Los Angeles a mais radical. Quem ouviu os dois primeiros discos do B.R.M.C. pode achar o novo cd um passo oportunista rumo ao pasteurizado formato acústico que tomou conta do mundo roqueiro, mas não. “Howl” é lamento, em forma de blues, gospel e country, de uma banda que enfrentou vários problemas recentes. Foi despachado pela antiga gravadora – a Virgin – ficou sem seu baterista, recuperou-o de novo e, quando o fim da linha parecia próximo, a trinca acabou acolhida pela RCA. A mudança inesperada faz bem mais sentido, após o conhecimento dessas intempéries vividas pelo power trio.
Magnolia Eletric Co. “When Comes After Blues”
E o que vem depois do blues? Para Jason Molina e seu Magnolia Eletric Co. parece ser uma nova dose de country rock. Com essa estréia em estúdio (o primeiro cd foi o ao vivo “Trials e Errors”), o músico capta com perfeição toda a melancolia da vida interiorana, explorando duetos vocais, sons de violinos, guitarras e outros elementos, cavalgando à vontade pelas terras de Neil Young, nos momentos de maior calmaria.
Grant Lee Phillips “Virginia Creeper”
O cantor e compositor Grant Lee Phillips também deixou aflorar seu lado trovador solitário, meio bicho do mato, em “Virgina Creeper”. Isso, claro, depois de produzir um dos mais subestimados discos da década de 90, “Fuzzy”, à frente do Grant Lee Buffalo, e engrenar vários álbuns de pop sofisticado e de extremo bom gosto, em carreira solo. Segundo a crítica estrangeira, este terceiro trabalho solo do músico é quase uma ode ao The Boss, na fase do álbum “Nebraska”.
Bruce Springsteen “Devils & Dust”
E seria um grande erro não incluir o grande “chefão” do cancioneiro folk norte-americano, ainda mais, numa incursão ruralista por vários sons de qualidade. Ele acaba de cometer mais um álbum pra se ouvir numa cadeira de balanço, na varanda de alguma daquelas tradicionais casas de madeira dos Estados Unidos, refletindo sobre o modus vivendi do americano comum. A diferença é que Mr. Springsteen é de longe o mais politizado, famoso e competente de todos esses “peões”. Não é à toa que ele atende pela alcunha de “The Boss”.
1 Comments:
Magnolia Eletric è brillante. Io amo tutti quelli nastri, Thiago. Molto buono.
Gabriel
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