[nº 19 – Skylab virou mulher?]
No fim das contas, é muito fácil rotular um artista como Rogério Skylab. Mas pouca gente tomaria para si o esforço de tentar compreender um trabalho que, acima de tudo, é único para o bem ou para o mal. Já crivaram no músico adjetivos como escatológico, doentio, maldito e louco. Características essas que podem passar longe da primeira impressão que qualquer cidadão comum tenha quando convive com o Rogério, funcionário público de um Banco do Brasil, no Rio De Janeiro. Talvez seja essa personificação do Rogério de voz calma, pausada e com a rara capacidade de conhecer muito bem o seu terreno artístico, para o Skylab dos palcos e dos discos, que dê contornos mais interessantes para sua obra.
Se “de perto, ninguém é normal”, a máxima caetânica chega às últimas conseqüências em Skylab. Sua obra consiste em exumar boa parte dos desejos inconscientes de todos, ora com ironia elegante (“Dinheiro”, “Eu Quero Saber Quem Matou”) ora de forma visceral(“IML”, “Côco”), muitas vezes resvalando no puro non sense como na polêmica “Fátima Bernardes Experiência”, que explode no refrão “Glória Maria!” Muitas vezes soa como versão direta, trash, daquilo tudo que Nelson Rodrigues eternizou literariamente em suas obras - a vida como ela é. No caso de Rogério Skylab, esta existência também é habitada por ratos, mortos-vivos, franksteins pós modernos... Suas músicas possuem um certo realismo cru, la vie em close, já diria Paulo Leminski, possível companhia de Zé do Caixão, Arrigo Barnabé, Frank Zappa, o Caetano de “Araçá Azul” entre outros malditos em um lista de referências para Skylab.
Seu último disco “Skylab V” , encartado este mês na revista Outracoisa, continua amplificando muitas destas neuroses cotidianas que vão de encontro ao cidadão comum. É possível que seja esse paradoxo que leve o artista independente a merecer duas comunidades na febre virtual Orkut, uma inclusive com mais de 1500 cadastrados, número que se agiganta quando se sabe que ele não possui nenhum esquema especial de divulgação do seu trabalho, além de manter contato com um público fiel em seu site (www.rota6.com.br/skylab). E é lá no site que está a questão que atormenta a todos os seus admiradores. Agora, depois de personificar o matador de passarinho, o tarado, o feliz possuidor de uma voraz motoserra, será que... (por Thiago Pereira)
[eN]: “SKYLAB virou mulher ?”
Sim. Skylab virou mulher. Existe uma promoção rolando no site. As 10 melhores respostas ganham o SKYLAB V. São muitos internautas participando. Essas promoções vem rolando todo ano, a cada disco que lanço. Não é difícil imaginar a grande quantidade de frases. É que o meu trabalho vem se caracterizando justamente por essa relação com a internet. Na verdade, é tudo uma grande brincadeira. Nós internautas somos muitos solitários e ao mesmo tempo muito unidos. É uma rede impressionante, cheia de virtualidades e afetos. Às vezes no ORKUT, você vê pessoas famosas com uma comunidade fraquíssima - é que os caras não são do meio. Não adianta fingir.
[eN]: Em Skylab 5 é perceptível uma face mais pesada do seu trabalho, guitarras deixando outros ritmos mais presentes, anteriormente, como O samba, em segundo plano. Skylab está com raiva?
Raiva(risos)? Em verdade o SKYLAB V resgata uma dívida com o público. Desde o SKYLAB II, que é um disco ao vivo, não fora produzido um disco tão próximo do show quanto este quinto. Até a forma como ele foi produzido acena nessa direção: o disco foi todo ele gravado ao vivo, em estúdio, e na forma analógica. Credito muito o resultado ao Vânius Marques. Ele também estará nos próximos discos. Enfim, tecnicamente falando, é o meu melhor disco de carreira.
[en]: Quais foram as matérias primas para a construção do novo disco? O título da ótima "22 X 2=43" parece referência à "2+2=5" do Radiohead...
Te confesso que são as mesmas dos discos anteriores. Nesse sentido, posso te dizer que o meu trabalho é maníaco obsessivo. Não tem muita variação: é a mesma obsessão de sempre: os números, as séries, as repetições de palavras. Essa é a estrutura do trabalho: o próprio serial-killer é a efetuação das séries. Veja só os títulos dos meus discos. A matemática permeia tudo. Só que não é uma matemática clássica.
[eN]: A respeito da polêmica "Fátima Bernardes Experiência", você foi proibido de incluir a música no disco? Ele teve de ser reprenssado?
Não, não. Em relação à "Fátima Bernardes Experiência", que é uma música que eu amo, eu já tinha prensado mil cópias incluindo essa música. Era uma tiragem inicial como venho fazendo com todos meus discos. Foi aí que o Lobão apareceu e me convidou. Claro que eu aceitei sair pela revista - só que nesse caso a tiragem seria de 20.000 cópias. Conversando com a equipe da revista, chegamos a conclusão de que seria melhor retirar a canção. Ela poderia ser um impecilho para divulgação do próprio trabalho. Seria muita sacanagem que uma simples canção invalidasse o resto do trabalho que é muito maior. Foi aí que eu assinei embaixo. Mas eu anseio publicar um cd só com as proibidas: Câncer no cu, Chico Xavier e Roberto Carlos, o Hino Nacional do Skylab, Fátima Bernardes e muito mais.
[eN]: Em "Skylab IV" , rola a pergunta “quem matou Lobão?”, em uma música - homenagem meio enviesada. Agora, você está lançando seu disco pela revista Outra Coisa. O homem ressucitou (risos)?Como foi o contato entre vcs?
Eu vou te contar uma coisa: vc tá certo em dizer que é uma homenagem meio enviesada que eu fiz no SKYLAB IV. Claro que muitos idiotas da imprensa pensaram que eu estava exigindo a minha participação no seleto grupo dos malditos. Muito pelo contrário. Eu faço parte de um outro tempo e a própria palavra "maldito" não tem nenhum sentido pra mim. Independentemente disso, eu sempre apreciei Arrigo, Walter Franco, Mautner... Ou seja, essa canção eu gosto muito porque ela se situa na fronteira do sentido: pode ser tanto uma coisa quanto outra. Eu miro justamente essa duplicidade. Em relação ao Lobão, acho que o disco "A Noite" é um marco, uma mudança de qualidade na sua discografia, que se radicalizou em "A Vida é Doce". Acho impossível Lobão se superar e produzir um disco melhor do que esse último. Ele não precisa fazer mais nada.
[eN]: Imagino que seja motivo de orgulho para vc ser lançado no mesmo veículo que capturou a volta de Arnaldo Baptista, uma das tuas referências... Gostou de "Let It Bed"?
Não gostei de "Let It Bed". Claro que a revista capitalizou a volta do Homem, tinha que fazer isso mesmo. Mas eu sou a favor do suicídio, do ponto final. Gosto muito do exemplo da Greta Garbo que passou a viver a partir de um certo momento longe de todo show business. A gente tem que saber dar adeus. Qual o sentido desse "Let It Bed"?
[eN]: É notável o fato e que, poucos artistas mantem uma obra tão coerente quanto a sua, mesmo em todo seu hermetismo e rupturas sonoras e poéticas. Skylab acredita na autencidade , na coesão? Vc acha que isso, de certa forma te garante um público fiél e um espaço garantido na, sem ironias, música popular brasileira?
Essa suas palavras me envaidecem, mas não estou bem certo de ter um lugar na MPB. Veja o exemplo do Daminhão. Quer maior coerência do que a dele? Quer maior utenticidade do que a dele? E no entanto...
[EN]: Repetindo a célebre pergunta, aonde estão as vanguardas brasileiras?
Essa palavra "vanguarda" é complicada, né? Eu tenho lido muito Walter Benjamin, sabe. E claro, para quem o lê, sabe que a palavra "vanguarda" é muito problemática. Acho que o nosso último movimento de vanguarda foi o "tropicalismo" e esse movimento hoje está infiltrado no imprensa brasileira, na indústria fonográfica nacional, e até no Estado. Existem os novos tropicalistas: Hermano Viana e Pedro Alexandre Sanches. O que tem de comum entre eles é a postura paternalista. Isso vem desde Gilberto Freire, passa por Caetano e Gil, Tom Zé também, e chega até nesses dois novos tropicalistas. O que tem de comum entre eles é justamente isso: eles passam a mão na cabeça dos rejeitados, e produzem interpretações belíssimas. Eles têm o saber. Hermano Viana fala do "Arte Popular", Pedro Alexandre Sanches fala de Roberto Carlos, Caetano fala da Axé Music e Gilberto Freire fala dos negros. É tudo a mesma coisa. O tropicalismo é que nem o capitalismo: abarca tudo. Eles só não abrem mão do Saber, da consciência. Voltar-se contra si próprio é demais para um tropicalista. Suicidar-se como o fizeram Stefam Zweig, Walter Benjamin e Giles Deleuze... isso é demais para eles. O tropicalista é vaidoso para tanto. Uma música como "Câncer no Cu" jamais será absorvida por um tropicalista. E quando vc pergunta sobre as novas vanguardas eu te respondo: só aquilo que é capaz de voltar-se contra si próprio, pode empreender um novo caminho. Fora isso, é continuar banhando-se em praias tropicais.
[eN]: O show de Rogério Skylab é uma comunhão, uma exumação, uma revolução? O palco é complemento fiél do seu trabalho?
O palco é uma palavra chave. Trazer o palco para o estúdio, tem sido essa a minha grande equação. Acho que o “SKYLAB V” tentou responder isso. Trazer para o estúdio não significa fazer um disco ao vivo. Um disco ao vivo nunca será a melhor expressão do palco, um disco ao vivo sempre será uma resposta mais simples. É como a tradução de uma língua estrangeira: você não pode ser completamente fiel, se for, estará sendo infiel. É um paradoxo, mas traduzir é trair. Acho que tem sido essa a minha maior preocupação: produzir discos como se fossem estes a melhor tradução do palco. É tudo uma questão de tradução... ou traição.
[eN]: Um agiota espera na sua casa, todas as gravadoras estão de portas fechadas, até os alternativos debandam para o outro lado, você vai continuar fazendo música?
Acho que principalmente agora, no momente de maior adversidade. Existe um ditado trágico que diz: "quanto pior, melhor".
0 Comments:
Postar um comentário
<< Home