[esquemaNovo]

Versão virtual da coluna [esquemaNovo] sobre música pop, produzida por Thiago Pereira e Terence Machado e publicada, todas às quintas no jornal "Hoje em Dia".

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Local: Belo Horizonte, Minas Gerais, Brazil

Pai, católico não praticante, taurino (por teimosia, hehehe), cruzeirense não ortodoxo, ainda jornalista, ex-baterista com recaídas frequentes, ciclista "pós-amador".

quinta-feira, outubro 7

[nº 9 - O autêntico rock dos Hermanos]


Quem disse que a terra de Maradona, Carlos Gardel, Jorge Luis Borges, Eva Perón e tantos outros famosos vive apenas de tangos, milongas, futebol, cafés con medialunas, empanadas, bons vinhos malbec, literatura e bravas manifestações sócio-políticas? Nossos hermanos também vivem de rock! E não são apenas os monumentos e principais pontos turísticos da Argentina, principalmente de Buenos Aires, que passam por um momento especial de revitalização. O rock ‘n roll portenho vai mui bien, gracias!

Pra começar acaba de chegar às principais lojas de cds de lá uma nova série remasterizada com clássicos do gênero. Seguindo estratégia recente da Sony, a Universal também colocou nas prateleiras 20 discos que varrem boa parte da produção roqueira Argentina da década de 80 e parte dos anos 90. Nesta leva foram editados, em cd pela primeira vez, o terceiro trabalho de David Lebón (“El Tiempo es veloz”) e o álbum de estréia de Alejandro Lerner (“Alejandro Lerner y La Magia”), recheado com “Nena Neurótica” e outros hits. É claro que o “Frank Zappa” deles também entrou na roda. O inclassificável Charly Garcia teve dois dos seus mais importantes discos reeditados – “Clics Modernos” e “Piano Bar”. Fora isso e sempre na ordem do dia, ele é uma das figuras que estampam a capa da edição de outubro da Rolling Stone – versão latino americana. Sim, eles têm uma edição da revista e outras locais, enquanto nós amarguramos a falta de uma grande publicação no segmento.

E como aquecimento para o ‘Quilmes Rock En Vivo 2004’ – festival que está agitando Buenos Aires desde o primeiro dia do mês e se estenderá por mais dois finais de semana – a Rolling Stone passou a limpo os melhores shows e eventos do tipo, de 1966 a 2004, numa reportagem especialíssima. Outra prova de que a veia rock anda a mil às margens do rio La Plata é a quantidade de bandas novas que preenchem a programação da mtv latina e dos outros canais argentinos que exibem vários clipes. Um bom exemplar é a Turf. Seguindo a moda do rock retrô, lançada pelos Strokes e seguida por outras dezenas de grupos, nos quatro cantos do planeta, o quinteto está bem na parada. Isto por causa do lançamento do seu novo rebento, o cd “Para mi Para vos”, distribuído pela EMI e convincente a partir da capa monocromática com o nome da banda e desenhos dos rostos dos integrantes. Charly Garcia, pra variar, marca presença numa das faixas. Além do Turf, tem o Babasonicos (não confundir com o Baba Cósmica, a ex-banda sofrível do agora produtor Rafael Ramos) que anda fazendo bastante sucesso, concorre a quatro categorias na premiação da MTV Latina deste ano – graças ao clipe de “Putita” - e vai fechar um das noites do festival mencionado acima e patrocinado pela cerveza nº 1 deles. É importante dizer que o Quilmes Rock é um evento de pop e rock latino-americano e, sendo assim, tem apenas dois estranhos no ninho nesta edição – o Offspring e o The Wailers. Compensando este pequeno furo, estão escaladas as principais pratas da casa, além de representantes mexicanos de primeiríssima linha – Molotov e Café Tacuba – e, por que não, brasileiros? Os Paralamas do Sucesso vão se apresentar na penúltima noite do festival, justamente, no domingo dia 17, quanto tocam Turf e (olha ele de novo!) Charly Garcia.

Esta é só uma pequena amostra de como anda toda efervescência portenha, quando o assunto é rock. Lá, até o fim do ano, também vão rolar shows do circuito internacional como PJ Harvey, Primal Scream, Chemical Brothers e, de quebra, Morrissey. Enquanto isso, na terra de Pelé, Tom Jobim, Paulo Coelho(!!!) e Lula, a revista mais interessante de música pop que circulava – a Zero - dá os últimos suspiros e o Rock in Rio foi parar em Portugal! Que mierda!(TM)

[velho esquema] - Lobão “Noite” (1998)



Antes de uma classificação formal como sendo uma obra musical, “Noite” funciona como documento fiel da tensão pré milênio que se acometeu no final da década passada. Os vestígios espalhados por Lobão nessa obra parecem óbvios: amor versus escapismo, eletrônica versus canção, sonho versus realidade, underground versus mainstream, pessoal versus coletivo. Coincide em abordagem com “Ok Computer” do Radiohead, lançado um ano antes e que, já antecipava definitivamente para os próximos séculos o requiém do século passado. Guardadas as devidas proporções( proporções essas menores do que a gente pensa), o veterano lobo fechou a tampa do caixão em um disco que esbanja lirismo e, opa, modernidade em um mix felicíssimo de abordagem poética/musical sofisticada.

Segundo disco de uma (hoje)bem sucedida experiência sem precedentes no Brasil, “Noite” é a confirmação do projeto pessoal/profissional de Lobão. Sim ,porque ,o trabalho anterior, “Nostalgia Da Modernidade”, ( que aliás ,seria um batismo mais acertado para “Noite”) ainda soa um esboço, uma obra mal resolvida de um artista ainda inseguro sob as amarras tradicionais da industria fonográfica brasileira- a música de novela, o jabá das rádios, a falta de compromisso dos artistas tupiniquins em se manterem atuais e ativos com os rumos da evolução musical. O acerto de contas vem nessa primorosa coleção de 11 músicas que driblam o batimcum fácil da eletrónica , já em vias de se tornar comum no Brasil de 98 e dando rasteira em muita gente grande( vide Barão Vermelho e seu “Puro Êxtase”), e garantem a canção como ponto fundamental. Todas as músicas trazem loops, samples e outros bichinhos, mas sempre preservando o pilar fundamental da música pop: a harmonia, a melodia, o refrão, a canção enfim.

“Noite” abre o disco com tecno e riffs energéticos de guitarra e vem em ritmo de “sábado - a noite -enfurnado- na pista de dança -e -procurando pelo- terceiro -ecstasy”, retrato fiel de uma cultura que estava, a bordo dos fundamentais discos de Prodigy, Chemical Brothers e Underworld , se instalando no cotidiano classe média brasileiro e que logo, logo iria merecer capa de grande revista. Então, pouco importa se a alegria é química e se o amor é apenas um jeito de corpo( “A noite me devora e faz pensar que eu sei amar” cita a letra); o que vale é dançar o que puder, como se não tivesse nada mais o que dançar.. .”Noite” , a canção, fornece apenas o cenário. A partir daí, Lobão passa a uivar o amor, a solidão (“Sozinha Minha”, um de suas melhores baladas e “Hora Deserta”, drive maníaco de guitarras, genial), o tédio( “Samba Da Caixa Preta”), o sexo (“Me Beija”), a morte e, principalmente, a vida, embalada pela road song “Na Poeira Do Mundo”. Portanto, “O Grito” confirma o sábio/sóbrio Lobão na certeza da certeza que faz o louco gritar ,como ele canta, claro, gritando.

“Noite” sumariza as pretensões do artista calejado pelos eufóricos anos 80, pela ressaca do início dos anos 90 e satisfeito sendo um corpo estranho no final desta mesma década com sua trip solitária dentro do mercado fonográfico. Familiarizado com a loucura, longe do desespero sintetizado pela pintura eterna de Van Gogh o que aparece aqui é o espectador veterano transformado num narrador atento dos nossos tempos indefinidos. Quanto aos desafios propostos por Lobão, sintetizados no primeiro parágrafo, “Noite” responde em um disco/declaração de princípios subestimadíssimo ainda hoje, e que preparou o terreno para o trabalho seguinte. Lobão precisou descobrir que “apenas explodindo a razão, transcendendo o juízo e até o gozo, por simplesmente amar” (versos da obra prima “Do Amor”, que cita carinhosamente Tom Jobim), poderia constatar que a vida é doce. (TP)