[esquemaNovo]

Versão virtual da coluna [esquemaNovo] sobre música pop, produzida por Thiago Pereira e Terence Machado e publicada, todas às quintas no jornal "Hoje em Dia".

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Local: Belo Horizonte, Minas Gerais, Brazil

Pai, católico não praticante, taurino (por teimosia, hehehe), cruzeirense não ortodoxo, ainda jornalista, ex-baterista com recaídas frequentes, ciclista "pós-amador".

sexta-feira, outubro 15

[nº 10 - "Metal contra as nuvens"]



Como todos os anos, a equipe de arte da MTV sempre inventa um gancho para celebrar o aniversário da emissora. Os quatorze anos cumpridos em 2004 são identificados por uma vinheta que credencia a data como sendo um período de transição, onde a metamorfose entre a infância e a adolescência se completa. Concordo com eles: foi nesta idade que comecei a criar alguns dos referenciais que iriam me acompanhar até hoje - e continuarão pelo resto da vida, acredito eu. Ali estavam nascendo, além da barba e das espinhas, a sensação boa que é passar as tardes com os melhores amigos fumando escondido e fazendo planos mirabolantes para o futuro (o objetivo básico era sempre “mudar o mundo”), os primeiros beijos sem aquela tremedeira de antes, onde você podia simplesmente beijar sem pensar se estava fazendo certo ou não, os primeiros porres festivos ao som dos Raimundos e do Tianastácia(!)... E claro aquelas coceirinhas existenciais que a gente inventa para parecer gente grande. Essas não voltam mais: desprovidos de cinismo, lógica ou qualquer senso do ridículo eram tardes e tardes contemplando o nada, descrevendo as desilusões (que não fim das contas, nem existiam) nas paredes do quarto, no caderno de matemática e nos longos telefonemas aos amigos de batalha hormonal. Mas o companheiro mais fiel nessa idade é mesmo o disco, aquela coisinha que embala os melhores conselhos e fantasias que um aspirante a Werther pode ter: a música.

Renato Russo sabia disso e resolveu fazer da sua obra uma tradução das situações decorrentes da vida. Convencia não só pela riqueza do seu texto, pela potência de sua voz, mas também porque não se punha como observador (adolescentemente falando, um “crítico”), criando uma situação desvantajosa entre ele e ouvinte; assumia a mesma miséria do garoto que estava ali, sempre em primeira pessoa, dividindo as mesmas experiências sofridas. Educação sentimental. Claro, apenas isso poderia resultar em um anedótico e lamurioso turbilhão de cançonetas melosas. Mas Renato era um sujeito que entendia de música pop, sabia que um disco não se resume a uma coleção de músicas. Trabalhava sempre com conceitos, e essa é uma das chaves necessárias para se entender a carreira da Legião Urbana. Afinal, por trás daquela vontade gêmea de se comunicar com o ouvinte da forma mais próxima possível existia também uma miscelânea de signos, referências, declarações que elevavam suas produções a um patamar mais ambicioso. Assim como ele criou obras que cheiravam a espírito adolescente - no melhor sentido do termo, sem a inflexão “nirvânica” - ele também narrou com maestria o efeito devastador da condição humana, o acúmulo de planos e projetos destruídos pela vida. Aquilo que chamam de crescer. “Pois nasci nunca vi o amor”. E é só a primeira frase de um trabalho que nos seus mais de cinqüenta minutos ainda vai colocar em cheque a crença no governo, na amizade, nas drogas, ...”V” é Renato Russo pós – AIDS (descobriu que era portador em 89), pós Collor, pós anos 80. São estas as variáveis que vão se encontrando no disco, formando um conjunto final de densidade poética -musical inédita na carreira da banda. Como escreveu Ezequiel Neves na carta de apresentações do disco para a imprensa: “O réquiem para o novo século já está gravado”. Na contracapa, Renato Russo confunde: “Bem vindo aos anos setenta!”.

Anos setenta porque tudo aqui é grandioso, imponente: a capa inspirada pelo King Crimson, o arranjo prog-rock nos onze (onze!) minutos de “Metal Contra As Nuvens”, a dor exposta em “Vento No Litoral” (uma das mais belas canções já gravadas), as imagens trabalhadas em L’Âge Dor”. As vozes dobradas e o clima fantasmagórico da “Montanha Mágica”- o livro de Thomas Mann, um dos favoritos de Russo- embalando a melhor letra já escrita sobre drogas no Brasil... È tudo intencional, como sempre foram suas criações: nunca ele tinha ido tão fundo criando um tratado cheio de referências medievais( como em “Love Song” e na instrumental “A Ordem dos Templários”), onde as trevas se referem não apenas a um período pouco iluminado, mas também a ignorância dos homens- ele incluído, principalmente.

“É, de longe, nosso melhor trabalho”, atestou o músico, alguns anos depois. Aquele menino dos quatorze anos, ainda vai ficar com os versos doloridos espalhados por “Dois”, ou a raiva lírica de “Que país è Este”. Mas o quase adulto que já descobriu que, entre um sim e um não, há um vão, provavelmente fica com este. Como o próprio Russo assume em “Sereníssima”, estes conseguiram o equilíbrio cortejando a insanidade. Tudo está perdido, mas existem possibilidades para tudo nessa vida. Renato Russo concluiu a sua há oito anos, no dia 11 de Outubro. Eu tinha quatorze anos. Hoje, um pouquinho mais velho, já dá para acreditar que tudo passa. Tudo passará.(TP)

[velho esquema]
Aerosmith "Pump"




Talvez, o sub-gênero mais “derrapante” e perigoso da música pop seja o hard rock. Sem maiores cuidados podemos agrupar neste mesmo “balaio” tanto o rock glacê do Bon Jovi como o vigoroso AC/DC. E olha que, no meio do caminho - entre um e outro - existem diversos grupos com integrantes que se preocupam em manter a beleza permanente das cabeleiras, mas sem deixar o rock embaraçar.

É o caso do Aerosmith do saltitante e bocudo Steven Tyler e do estiloso Joe Perry. Uma década antes da farofada, que fariam com o hard rock nos anos oitenta, o quinteto de Massachussets já havia entrado para história com um álbum que era curto e grosso até no título – “Rocks”. Foi um sucesso só, carregando todo o lado bom e, claro, os estragos que uma avalanche de êxitos pode causar. A fortuna acarretou todos os excessos possíveis – o de mulheres, farras intermináveis e drogas. No fundo do poço, os roqueiros foram resgatados pelos rappers, tempos depois. O que seria do Aerosmith, se o Run DMC não tivesse regravado a clássica “Walk This Way”? Vai saber...

O que importa é que, graças a este fato e à parceria inusitada, as cinzas do velho grupo foram ganhando corpo até a “ressurreição” definitiva em 1989, com “Pump”. Este trabalho irretocável de Tyler e cia. foi a fôrma perfeita de onde sairiam todos os “rocks” moldados, emoldurados e remodelados da nova era Aerosmith – dos anos 90, em diante. Com a linha de montagem funcionando perfeitamente, os sucessores “Get a Grip” e “Nine Lives” foram apenas seqüência natural do processo de produção. Como a carreta desenfreada que aparece no clipe da poderosa “Enter Sadman” do Metallica, “Pump” é tão arrasador quanto um atropelamento em massa, com vinhetas que dão ao ouvinte apenas pequenas chances para respirar e suspirar, entre várias jamantas que cruzam seu caminho. Da aceleração de “Young Lust” à frenagem da belíssima “What it Takes”, são muitos os hits e estragos provocados pelo quinteto, durante todo o percurso. O mais conhecido, sem sombra de dúvida, é “Janie’s Got a Gun”. E daí? Infeliz de quem pular do caminhão, na metade da viagem, sem deixar o cd player rodar faixas como “The Other Side” e “Voodoo Medicine Man”.

A certeza de que o hard rock pode evoluir para além do som áspero do AC/DC, passando como rolo compressor pelos malabarismos guitarrísticos do Van Halen, os gritinhos “rouqueiros” do Bon Jovi, as máscaras do Kiss, o salão de beleza do Motley Crue e a macheza “Bull shit” do Metallica, está em “Pump”.(TM)