[esquemaNovo]

Versão virtual da coluna [esquemaNovo] sobre música pop, produzida por Thiago Pereira e Terence Machado e publicada, todas às quintas no jornal "Hoje em Dia".

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Local: Belo Horizonte, Minas Gerais, Brazil

Pai, católico não praticante, taurino (por teimosia, hehehe), cruzeirense não ortodoxo, ainda jornalista, ex-baterista com recaídas frequentes, ciclista "pós-amador".

sexta-feira, dezembro 3

[nº 17 - Sobreviventes no inferno?]

“Tem que fortalecer, o rap tem que fortalecer. “ Não era um pedido, ou discurso. O que o autor da frase acima proferia era uma ordem, uma conclusão lógica de um pensamento que segundos antes tinha feito referência a todos os pilares básicos da construção social: a família, a religião, a moradia, a segurança. Era o começo do fim: com os primeiros versos de “O Homem Na Estrada”, o locutor se despedia de uma platéia absurdamente em silêncio depois de quase duas horas de um estranho misto de concentração liturgica e messianismo pop.

O autor da frase é Mano Brown, o maior letrista da música popular brasileira nos últimos dez, quinze, vinte anos...Um textos mais ricos e impactantes do Brasil recente ,cujos maiores achados dialogam pau a pau com outras grandes obras musicais de contestação social/política nacional. Narrador em carne viva, cuja acidez fora percebida e tornada artigo de primeira necessidade em 97, quando o grupo que comanda soltou nas ruas da classe média “Sobrevivendo No Inferno”, autêntico manual da selva marginalizada pelo neoliberalismo global, cortesia do governo Fernando Henrique Cardoso. A partir dali encurtaram-se as distâncias entre o grande público e uma outra realidade baseada em fatos reais . O trabalho dos paulistas virou grife para "mauricinhos" abastados ,onde possuir um exemplar do disco garantia um brevê para circular nas ruas ;fetiche acadêmico para aqueles em busca de uma bela tese sobre os “excluídos” da sociedade, etc. Impulsionou a produção do rap brasileiro focalizado na crítica social, abrindo alas para que novos nomes como Sabotage e Xis não fossem recebidos como corpos estranhos dentro da grande mídia.

Então o rap hoje se faz palatável, deglutível para farto consumo de quem antes se situava como alvo- de cor e de situação- e que na semana passada semi-lotou o Lapa Multishow em busca dos poéticos fragmentos de uma realidade que só poderia, a princípio, ser conhecida a distância, no conforto do som no carro, embalando pesquisas na Internet. Agora os Racionais já não são referência única. Nos últimos dois anos, enquanto os paulistas lançavam “Nada Como Um dia Após O Outro” , o demorado sucessor de “Sobrevivendo...” , já se destacava uma outra solução vigente para um gênero em busca da batida perfeita com Marcelo D2 , num ritual cujo profissionalismo e (saudáveis) tendências comerciais não encontram rima com a força bruta dos Racionais. Ou até mesmo um abusado outro lado da moeda representado por Ramon Moreno, cuja alcunha De Leve desafiava com marra a validade do discurso-burocrático da “violência-periferia-racismo” tão explícito em Mano Brown , Eddy Rock, Ice Blue e KL Jay em seu segundo disco “O Estilo Foda-se”. Um desfecho que se apresentava como uma espécie de defesa até, a declarações equivocadas dos paulistas( “O Ronaldinho tá de Ferrari? Tem que seqüestrar pra acabar com essa putaria.”) e posturas que superaram a fina linha entre a defesa e o ataque gratuito, preconceituoso e ignorante. Hoje, a cena é outra, mais repleta de personagens coadjuvantes e sem saber quem protagoniza tudo. Reflexo talvez da lógica do mundo pop, onde demorar cinco anos para lançar um novo trabalho pode sair caro demais.

No palco do Lapa Multishow, boa parte destes embates se tornaram visíveis: a postura simpática e quase sorridente de um Mano Brown que na mesma BH foi acusado de incentivar o racismo durante uma apresentação, e que agora discursava contra o preconceito e a violência, indo de encontro com parte do novo repertório, onde fala-se até em um “Estilo Cachorro”, música pautada basicamente na diversão sexual entre manos e minas, sem maiores julgamentos morais. Mas que volta e ainda encontra força suficiente para passar um pito na cena rapper local e para retomar a missão de que há muita história para ser contada ainda. O rap tem fortalecer, ordena Brown. Mas como? Para onde? Em plena metamorfose, é possível que ele não saiba responder.

È o fim do começo e tudo mudou :já se passaram sete anos e ainda não se sabe ao certo se os Racionais chegaram até onde poderiam - e queriam –chegar, questão essa que pode ser amplificada a todo rap nacional. E talvez seja esse questionamento que encerre uma época onde o rap era novidade , uma alternativa ao padrão. Já não é mais. Mas a resposta para a questão acima pode ditar os rumos para o gênero nos próximos anos. Vai valer a pena esperar, Racionais capítulo 5, versículo próximo. (T.P.)


[espaço hd] >> dicas de Jardel Sebba, editor da revista VIP e colunista de música do AOL

Picassos Falsos “Novo Mundo” (Psicotronica) - A melhor banda de rock-samba-funk-baião do Rio de Janeiro de volta, depois de sumir e desaparecer no fim dos anos 80. Surpreendentemente, eles continuam tão bem ou melhores. Destaque para o irresistível samba "Rua do Desequilíbrio".

Marcos Valle “Contrasts” (Far Out) - O autor de "mustangue cor de sangue" passou a década de noventa requisitado lá fora como um dos artistas mais sampleados pelos djs ingleses. Nesse novo disco, ele mantém a elegância da sua bossa, conta com a participação maisque especial da Joyce, e incluiu de aperitivo alguns remixes que fizeram sua fama internacional.

Veiga & Salazar “Original” (ST2) - Uma das melhores coisas a surgir no hip hop nacional nos últimos tempos. A dupla mistura boas batidas com doses bem temperadas de jazz, soul, bom humor e experimentação. Destaque para as vinhetas no melhor estilo John Coltrane e para a participação do rapper niteroiense de Leve.

Bruno E. “Lovely Arthur” (Trama) -O ex-produtor de música eletrônica mergulhou no jazz avant-garde e fez um disco surpreendente, com uma sofisticação de arranjos de metais e orquestrações raras de ser ver entre músicos brasileiros.

Durval Ferreira “Batida Diferente” (Guanabara) - Violonista e compositor com um currículo invejável, que inclui gravação com o gênio do saxofone Julian "Cannonball' Adderley, Durval é pai dessa pequena obra-prima que, além de suas ótimas composições, conta com um time de músicos que é uma covardia. O trombone de raul de Souza e o piano de Osmar Milito dispensam apresentações.