[nº 12 - O Clube Dos Corações Solitários na música pop atual]
Pegando emprestado o título do belo livro lançado pelo escritor gaúcho André Takeda, em 2001, “Esquema Novo” seleciona hoje três cantores/compositores que gravaram obras recentes que ajudam a refrescar na memória de que possuímos, infelizmente (nestes casos) um coração (des)preparado para ser machucado.
Beck: ninguém desconfiaria que, o mesmo criador de “Odeley” (considerado pela crítica com um dos melhores discos dos anos 90) pudesse transformar o liquidificador de ritmos presentes naquele disco em uma bebida tão amarga quanto “Sea Change”(2002), seu trabalho mais recente. Em 12 faixas, confinado a solidão, ele dilacera toda e qualquer possibilidade de crença em uma vida a dois. Ele encarnou sem a ironia carregada dos anos 90, o “Loser” que cantou no seu primeiro sucesso. Alguns dos doloridos versos espalhados pelo disco confirmam que a piada já não tem mais graça, como em “Guess I´m Doing Fine” ( “São apenas mentiras que estou contando, são apenas lágrimas que estou chorando, é apenas você que estão perdendo...” .Esse tipo de comparação quase sempre resvala no mau gosto, mas se existe um equivalente á obra prima “Blood On The Tracks”, de Bob Dylan, para o novo século, “Sea Change” ocupa o cargo com maestria, numa coleção impecável de baladas arranjadas especialmente para você, que fica sábado à noite esperando o telefone tocar. Parece que o próximo disco do moço, já pronto, será mais animadinho, com provável participação de Jack White – a face masculina dos White Stripes. Mas a se julgar pela belíssima regravação de “Everybody ´s Gotta Learn Sometime” presente em “Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembrança”, película de o popó do americano estava doendo até pouco tempo.
Elliot Smith: Lançado este ano, “From A Basement On The Hill” expõe as prováveis razoes que fizeram um dos mais talentosos artistas de sua geração a se matar (a teoria mais provável, já que o caso ainda não foi explicado), no ano passado. O disco recém lançado mantém o padrão Elliot Smith de qualidade: canções simples, de matriz beatle que guardam toda a tristeza do mundo em seus acordes e versos. Destaque para “Kings’s Crossing”, onde em certa altura Smith pede que lhe dêem uma “boa razão para não fazer isto”. “Isto”, depois foi explicado: uma facada no peito, em Outubro do ano passado.Uma voz sampleada ,bem baixinho, colocada estrategicamente na mixagem final( ou seja ,depois que Smith já tinha morrido) responde por todos: “because we love you”. Você tem um coração?
Depois de dois discos oficiais lançados, Smith conheceu o gosto da fama em 96, quando seu passeio com a tristeza narrada em “Miss Misery” virou a canção de encerramento do filme “Gênio Indomável” e o levou a uma indicação para o Oscar, com direito a uma desconfortável/desconcertante apresentação na cerimônia oficial. Concorreu com a insuportável “My Heart Will Go On”, cançoneta que garantiu a aposentadoria de sua intérprete Celine Dion e que não poderia estar mais diametralmente oposta que as produções de Smith. Simplórias, beirando o tosco em “Either/Or”(1997), onde em canções como “Between The Bars” ou “Angeles” bastavam apenas a voz e o violão do compositor para lembramos que temos um coração sempre disponível a ser estraçalhado. A obra prima “XO”(1998) e seu posterior “Figure 8”(2000) apresentavam composições mais detalhadas em piano, guitarras e cordas, mas mantiveram o verniz primordial de sua obra, a emoção. Mal comparando, inclusive pela biografia trágica, é uma espécie de Nick Drake para esses dias. Assim como o compositor britânico morto na década de 70, o brilhantismo de Elliot Smith ainda será melhor avaliado.
Rufus Wainright: Lendo as divertidas entrevistas (onde uma simples pergunta pode se transformar numa despudorada cantada) que este trovador canadense concede, é possível imaginar que ele não passa de um bonachão. “Want One”, lançado no ano passado (e que infelizmente não recebeu edição nacional, ao contrário do anterior “Poses”) prova que as coisas são bem mais difíceis quando o gravador está desligado. A capa é feia, mas ilustra perfeitamente o conteúdo do disco: Rufus Wainright se assumindo como um cavaleiro, um gentlemen solitário dentro da mistureba pós-moderna da música contemporânea. A matéria prima sonora para a confecção do disco são basicamente coisas fora de moda, como o romantismo exacerbado, a delicadeza de arranjos vocais e audições dos melhores trabalhos do Queen, Elton John, do John Lennon solo, música clássica. Tudo isso sintetizado em pepitas como “Beautiful Child”, “14th Street” e na espetacular “Go Or Go Ahead” - uma das melhores canções escritas neste novo século-entre outras que compõem a mais bela coleção de melodias da temporada. A verdade é que tem de ser muito macho para surrupiar trechos do batidíssimo Bolero de Ravel e fazer disso uma obra prima pop, como na faixa de abertura, “Oh What A World” . Um disco a flor da pele.
[velho esquema]
Soundgarden “Superunknow” (1994)
Não tem como discutir: “Nevermind” é sem sombra de dúvida “o Disco” da era Grunge. Pra falar a verdade, o álbum do Nirvana é bem mais do que isso e todo mundo sabe. O melhor é constatar que, fora o grande acerto do trio Cobain, Grohl e Novoselic, saíram de Seattle outras bandas e vários outros discos de peso. Do acachapante metal, pulsando no disco de estréia do Alice in Chains ao hard rock “flanelado” – vide aquelas camisas xadrez adotadas como uniformes por 9 entre 10 músicos daqueles tempos – e cheio de boas melodias presentes, em outro primeiro disco acertadíssimo, a geléia perolada “Ten”, expelida durante puro êxtase roqueiro pelo Pearl Jam. Das melhores garagens e inferninhos, vinham outros bons gritos do Screaming Trees, Mudhoney e mais um punhado de novas bandas prontas pra ajudar a explodir as espinhas de toda uma juventude.
E nessa nova detonação rock, um disco surgiu de forma diferente. “Superunknow” veio à tona, escancarando o amadurecimento de uma banda e de todo um movimento – o rock de Seattle, ou Grunge, tanto faz. Após a aparente consagração de “Badmotorfinger” – o Soundgarden mergulhou de cabeça no terreno árduo e sombrio do Black Sabbath pra fazer o melhor disco de hard rock da década. Longe das gravações mais toscas que nortearam quase toda a discografia grunge, Chris Cornell & cia. foram buscar um som cru, áspero e poderoso, em meio a todo o aparato técnico e esquema profissional, que só uma grande gravadora e mercado podem oferecer. Repetindo o feito e efeito “Nevermind” do Nirvana, o Soundgarden pariu um super álbum, que ficou super conhecido em todo o mundo, a partir de uma sucessão de singles irresistíveis: duas das melhores baladas daquele período, “Fell On Black Days” e “Black Hole Sun”, além das pancadas arrasadoras “Spoonman”, “My Wave” e “The Day I Tried to Live”.
Assim sendo, a obra-prima do Soundgarden só pode ser super desconhecida aos ouvidos de quem, definitivamente, não gosta de rock, ou estava fora da órbita terrestre, nos anos 90.
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