[esquemaNovo]

Versão virtual da coluna [esquemaNovo] sobre música pop, produzida por Thiago Pereira e Terence Machado e publicada, todas às quintas no jornal "Hoje em Dia".

Nome:
Local: Belo Horizonte, Minas Gerais, Brazil

Pai, católico não praticante, taurino (por teimosia, hehehe), cruzeirense não ortodoxo, ainda jornalista, ex-baterista com recaídas frequentes, ciclista "pós-amador".

sexta-feira, outubro 22

[nº11 - O jazz é pop ou o pop está ficando cada vez mais jazz?]



Você é daqueles que nunca deram muita bola pro jazz, mas curtem a Norah Jones? E agora gostou de um garoto que fez uma versão para “Wind Cries Mary” de Jimi Hendrix, numa levada jazzística? Não, você não está abandonando a música pop para flertar com um estilo mais sisudo e pomposo. É que o pop radiofônico anda tão desnorteado que foi pedir socorro pro “primo rico”! Chega uma hora que não dá pra diluir mais a Alanis Morrisette. A solução passa do “ponto Avril Lavigne” e fica insossa de tal forma que não serve pra mais nada. As gravadoras parecem ter sacado isso e foram atrás de alguém que tivesse talento nato (ainda bem!), estilo próprio (milagre!) e, por que não, uma apresentação estética, no mínimo, classuda! Já que figuras como a cantora Macy Gray foram desclassificadas na última etapa, uma loira, uma morena e um garoto ficaram com as vagas para ingressarem no pop. Com a cancha do jazz, Diana Krall, Norah Jones e Jamie Cullum fazem parte desse mercado, de uns tempos pra cá, sem tirar a âncora do velho porto.

É claro que os puristas e fiéis seguidores do gênero representado pelos mestres Charlie Parker, Ella Fitzgerald, Chick Corea, Miles Davis e tantos outros - os mesmos que devem ter comprado os ingressos do Club para a próxima edição TIM festival e não estão nem aí pro Brian Wilson, muito menos pra PJ Harvey e Primal Scream - não devem considerar a trinca citada acima como parte do seleto clube de quem só ouve “música de gabarito”(!!!), tomando whisky envelhecido por 12 anos ou mais e balançando as jóias – ave, John Lennon - e também as pedras de gelo. Fato é que ninguém pode frear algo que tem apelo popular. Nem quando esse algo tem pouco do ar blasé, o nariz empinado e a pose de superioridade do jazz. Com um rostinho bonito e charme a mais, no caso de Norah Jones, uma cabeleira loira e forte sex appeal, no de Diana Krall, e um estilo meio moleque e despojado, típico da juventude, no de Jamie Cullum, não há jazz que resista a uma cantada pop.

Quem quiser comprovar isto bem de perto, poderá ir a São Paulo ou ao Rio conferir - ao vivo e a cores – algum dos shows que Norah Jones está pra fazer no Brasil, dentro do projeto ‘Divas do Jazz’. Esse mesmo projeto pode trazer, em seguida, no mês de janeiro, a loiraça Diana Krall. E onde fica o “lord inglês” Jamie Cullum? Te esperando na prateleira mais próxima das lojas de discos ou nos sites e programas de trocas de arquivos musicais, na internet. “Twenty Something” é o disco desse “moleque atrevido” que lançou há pouco seu terceiro trabalho, nos moldes de Harry Connick Jr., gravando a já citada versão para Hendrix e outras ainda mais corajosas como “Lover, You Should’ve Come Over” do inesquecível Jeff Buckley.

Diante da trinca Norah-Diana-James você pode dizer quase tudo. Que eles estão vestindo o jazz com uma roupagem pop só pra ganhar um trocado a mais, que o som deles não passa de ‘cool jazz’ pra publicitário ouvir e por aí vai. O que não pode ser dito é que foram forjados pela indústria fonográfica. Muito menos que a música feita ou interpretada pelo trio deixou de ser jazz e, conseqüentemente, ter qualidades porque toca em algumas fms. Se até o Papa pode ser pop (e os Engenheiros do Hawaí, rock), por que não o jazz, de bambas? (T.M.)

[velho esquema]
Grant Lee Buffalo “Fuzzy”



Uma das teorias que permeiam os anos 90 é a da produção musical dita “alternativa” ou underground sendo capturada pela indústria fonográfica a partir do momento em que “Nevermind”, a obra-síntese dessa relação, passou a galgar os postos mais altos das paradas de sucesso norte-americanas. As majors passaram a acreditar que seria lucrativo investir em qualquer banda vinda dos suados porões da América, uniformizadas em trapos sujos e tocando Black Sabbath (ou qualquer outra reminiscência heavy/hard setentista-) em baixas rotações, para usar um clichê da crítica. Bastava uma leve intenção, digamos, de soar “alternativo” que o contrato estava assinado. Surgiram então milhares rascunhos de bandas, mal resolvidas, que espertamente investiam no visual certo, no modo certo de cantar, e é possível pensar que tudo isso foi dar no Hootie And The Blowfish, no Nixons, no Days Of The New- afinal se tudo é alternativo, nada é alternativo, certo? Mas enfim, essa não pretende ser uma história de mocinhos e vilões - os cínicos anos 90 não suportariam isso.

O Grant Lee Bufalo era mais um desses grupos que - apesar dos anos de ralação de seu mentor Grant Lee Phillips no underground (co-liderando o Shiva Burlesque) - foram desovados pela maré grunge e catalogados como mais um grupo de música alternativa, recebendo com isso as portas abertas para o mainstream. A diferença é que, enquanto outros colegas de geração se espelhavam em pesos pesados, o GBL instigava, fazendo suas paisagens sonoras em bucólicas baladas de forte acento folk inspirados por Neil Young, Bob Dylan, Van Morrison, e resgatando a melhor purpurina de Bowie em sua fase glam em rocks melódicos e estridentes. Com isso, a banda compôs discretas obras primas da década, que não criam poeira na estante, como a estréia “Fuzzy” e o não menos magnífico “Mighty Joe Moon”.

“Fuzzy” pode ser considerada uma das melhores estréias perpetuadas nos anos 90, pau a pau com outra maravilha contemporânea, “Automatic For The People”, do R.E.M.. A comparação com Michael Stipe e companhia procede: o mesmo magnetismo folk/guitar/pop encontrado nestes foi uma das armas para que Grant Lee Phillips moldasse sua música. Não por acaso, o GBL dividiu o palco com o REM durante seus primeiros anos.

Mas longe de ser um primo pobre (como acusam alguns), o GLB de “Fuzzy” consagrava seu caráter personalista no registro rouco/emocionado da voz de Philips e na capacidade do baixista Paul Kimble em sintetizar nos seus arranjos o jazzy e o glam com idêntica competência, provada em gemas como “The Shining Hour” e no delicioso conto de “Júpiter And Teardrop”, esta embalada em riffs que remetem á guitarra de Mick Ronson, fiél escudeiro de David Ziggy Stardust Bowie. E, acima de tudo, pesa o respeito do trio pela arquitetura sagrada da música popular: a canção. Aqui ela aparece em todo seu esplendor: na suprema faixa título e seus versos arrepiantes, na languidez folk de “The Hook”. Termina apaixonante, nos graciosos versos de “You Just Have To Be Crazy” (“You just have to be starry, baby/You just have to be chocolate cake”). Sabem pegar pesado também, como nos power chords de “Grace” e “America Snoring”, rocks grandiosos, barulhentos, mas que não escapam da marca registrada de tudo que vem da abençoada garganta de Phillips: a beleza.(T.P.)

Para entrar no esquema: colunaesquemanovo@hotmail.com

sexta-feira, outubro 15

[nº 10 - "Metal contra as nuvens"]



Como todos os anos, a equipe de arte da MTV sempre inventa um gancho para celebrar o aniversário da emissora. Os quatorze anos cumpridos em 2004 são identificados por uma vinheta que credencia a data como sendo um período de transição, onde a metamorfose entre a infância e a adolescência se completa. Concordo com eles: foi nesta idade que comecei a criar alguns dos referenciais que iriam me acompanhar até hoje - e continuarão pelo resto da vida, acredito eu. Ali estavam nascendo, além da barba e das espinhas, a sensação boa que é passar as tardes com os melhores amigos fumando escondido e fazendo planos mirabolantes para o futuro (o objetivo básico era sempre “mudar o mundo”), os primeiros beijos sem aquela tremedeira de antes, onde você podia simplesmente beijar sem pensar se estava fazendo certo ou não, os primeiros porres festivos ao som dos Raimundos e do Tianastácia(!)... E claro aquelas coceirinhas existenciais que a gente inventa para parecer gente grande. Essas não voltam mais: desprovidos de cinismo, lógica ou qualquer senso do ridículo eram tardes e tardes contemplando o nada, descrevendo as desilusões (que não fim das contas, nem existiam) nas paredes do quarto, no caderno de matemática e nos longos telefonemas aos amigos de batalha hormonal. Mas o companheiro mais fiel nessa idade é mesmo o disco, aquela coisinha que embala os melhores conselhos e fantasias que um aspirante a Werther pode ter: a música.

Renato Russo sabia disso e resolveu fazer da sua obra uma tradução das situações decorrentes da vida. Convencia não só pela riqueza do seu texto, pela potência de sua voz, mas também porque não se punha como observador (adolescentemente falando, um “crítico”), criando uma situação desvantajosa entre ele e ouvinte; assumia a mesma miséria do garoto que estava ali, sempre em primeira pessoa, dividindo as mesmas experiências sofridas. Educação sentimental. Claro, apenas isso poderia resultar em um anedótico e lamurioso turbilhão de cançonetas melosas. Mas Renato era um sujeito que entendia de música pop, sabia que um disco não se resume a uma coleção de músicas. Trabalhava sempre com conceitos, e essa é uma das chaves necessárias para se entender a carreira da Legião Urbana. Afinal, por trás daquela vontade gêmea de se comunicar com o ouvinte da forma mais próxima possível existia também uma miscelânea de signos, referências, declarações que elevavam suas produções a um patamar mais ambicioso. Assim como ele criou obras que cheiravam a espírito adolescente - no melhor sentido do termo, sem a inflexão “nirvânica” - ele também narrou com maestria o efeito devastador da condição humana, o acúmulo de planos e projetos destruídos pela vida. Aquilo que chamam de crescer. “Pois nasci nunca vi o amor”. E é só a primeira frase de um trabalho que nos seus mais de cinqüenta minutos ainda vai colocar em cheque a crença no governo, na amizade, nas drogas, ...”V” é Renato Russo pós – AIDS (descobriu que era portador em 89), pós Collor, pós anos 80. São estas as variáveis que vão se encontrando no disco, formando um conjunto final de densidade poética -musical inédita na carreira da banda. Como escreveu Ezequiel Neves na carta de apresentações do disco para a imprensa: “O réquiem para o novo século já está gravado”. Na contracapa, Renato Russo confunde: “Bem vindo aos anos setenta!”.

Anos setenta porque tudo aqui é grandioso, imponente: a capa inspirada pelo King Crimson, o arranjo prog-rock nos onze (onze!) minutos de “Metal Contra As Nuvens”, a dor exposta em “Vento No Litoral” (uma das mais belas canções já gravadas), as imagens trabalhadas em L’Âge Dor”. As vozes dobradas e o clima fantasmagórico da “Montanha Mágica”- o livro de Thomas Mann, um dos favoritos de Russo- embalando a melhor letra já escrita sobre drogas no Brasil... È tudo intencional, como sempre foram suas criações: nunca ele tinha ido tão fundo criando um tratado cheio de referências medievais( como em “Love Song” e na instrumental “A Ordem dos Templários”), onde as trevas se referem não apenas a um período pouco iluminado, mas também a ignorância dos homens- ele incluído, principalmente.

“É, de longe, nosso melhor trabalho”, atestou o músico, alguns anos depois. Aquele menino dos quatorze anos, ainda vai ficar com os versos doloridos espalhados por “Dois”, ou a raiva lírica de “Que país è Este”. Mas o quase adulto que já descobriu que, entre um sim e um não, há um vão, provavelmente fica com este. Como o próprio Russo assume em “Sereníssima”, estes conseguiram o equilíbrio cortejando a insanidade. Tudo está perdido, mas existem possibilidades para tudo nessa vida. Renato Russo concluiu a sua há oito anos, no dia 11 de Outubro. Eu tinha quatorze anos. Hoje, um pouquinho mais velho, já dá para acreditar que tudo passa. Tudo passará.(TP)

[velho esquema]
Aerosmith "Pump"




Talvez, o sub-gênero mais “derrapante” e perigoso da música pop seja o hard rock. Sem maiores cuidados podemos agrupar neste mesmo “balaio” tanto o rock glacê do Bon Jovi como o vigoroso AC/DC. E olha que, no meio do caminho - entre um e outro - existem diversos grupos com integrantes que se preocupam em manter a beleza permanente das cabeleiras, mas sem deixar o rock embaraçar.

É o caso do Aerosmith do saltitante e bocudo Steven Tyler e do estiloso Joe Perry. Uma década antes da farofada, que fariam com o hard rock nos anos oitenta, o quinteto de Massachussets já havia entrado para história com um álbum que era curto e grosso até no título – “Rocks”. Foi um sucesso só, carregando todo o lado bom e, claro, os estragos que uma avalanche de êxitos pode causar. A fortuna acarretou todos os excessos possíveis – o de mulheres, farras intermináveis e drogas. No fundo do poço, os roqueiros foram resgatados pelos rappers, tempos depois. O que seria do Aerosmith, se o Run DMC não tivesse regravado a clássica “Walk This Way”? Vai saber...

O que importa é que, graças a este fato e à parceria inusitada, as cinzas do velho grupo foram ganhando corpo até a “ressurreição” definitiva em 1989, com “Pump”. Este trabalho irretocável de Tyler e cia. foi a fôrma perfeita de onde sairiam todos os “rocks” moldados, emoldurados e remodelados da nova era Aerosmith – dos anos 90, em diante. Com a linha de montagem funcionando perfeitamente, os sucessores “Get a Grip” e “Nine Lives” foram apenas seqüência natural do processo de produção. Como a carreta desenfreada que aparece no clipe da poderosa “Enter Sadman” do Metallica, “Pump” é tão arrasador quanto um atropelamento em massa, com vinhetas que dão ao ouvinte apenas pequenas chances para respirar e suspirar, entre várias jamantas que cruzam seu caminho. Da aceleração de “Young Lust” à frenagem da belíssima “What it Takes”, são muitos os hits e estragos provocados pelo quinteto, durante todo o percurso. O mais conhecido, sem sombra de dúvida, é “Janie’s Got a Gun”. E daí? Infeliz de quem pular do caminhão, na metade da viagem, sem deixar o cd player rodar faixas como “The Other Side” e “Voodoo Medicine Man”.

A certeza de que o hard rock pode evoluir para além do som áspero do AC/DC, passando como rolo compressor pelos malabarismos guitarrísticos do Van Halen, os gritinhos “rouqueiros” do Bon Jovi, as máscaras do Kiss, o salão de beleza do Motley Crue e a macheza “Bull shit” do Metallica, está em “Pump”.(TM)

sexta-feira, outubro 8

[nº 9.1 - Eu vou atrás de alguma coisa que nos deixe estranhos e contentes...]



"A Farsa Do Samba Nublado" rodando na redação, em casa, no carro...

Wado comanda.

quinta-feira, outubro 7

[nº 9 - O autêntico rock dos Hermanos]


Quem disse que a terra de Maradona, Carlos Gardel, Jorge Luis Borges, Eva Perón e tantos outros famosos vive apenas de tangos, milongas, futebol, cafés con medialunas, empanadas, bons vinhos malbec, literatura e bravas manifestações sócio-políticas? Nossos hermanos também vivem de rock! E não são apenas os monumentos e principais pontos turísticos da Argentina, principalmente de Buenos Aires, que passam por um momento especial de revitalização. O rock ‘n roll portenho vai mui bien, gracias!

Pra começar acaba de chegar às principais lojas de cds de lá uma nova série remasterizada com clássicos do gênero. Seguindo estratégia recente da Sony, a Universal também colocou nas prateleiras 20 discos que varrem boa parte da produção roqueira Argentina da década de 80 e parte dos anos 90. Nesta leva foram editados, em cd pela primeira vez, o terceiro trabalho de David Lebón (“El Tiempo es veloz”) e o álbum de estréia de Alejandro Lerner (“Alejandro Lerner y La Magia”), recheado com “Nena Neurótica” e outros hits. É claro que o “Frank Zappa” deles também entrou na roda. O inclassificável Charly Garcia teve dois dos seus mais importantes discos reeditados – “Clics Modernos” e “Piano Bar”. Fora isso e sempre na ordem do dia, ele é uma das figuras que estampam a capa da edição de outubro da Rolling Stone – versão latino americana. Sim, eles têm uma edição da revista e outras locais, enquanto nós amarguramos a falta de uma grande publicação no segmento.

E como aquecimento para o ‘Quilmes Rock En Vivo 2004’ – festival que está agitando Buenos Aires desde o primeiro dia do mês e se estenderá por mais dois finais de semana – a Rolling Stone passou a limpo os melhores shows e eventos do tipo, de 1966 a 2004, numa reportagem especialíssima. Outra prova de que a veia rock anda a mil às margens do rio La Plata é a quantidade de bandas novas que preenchem a programação da mtv latina e dos outros canais argentinos que exibem vários clipes. Um bom exemplar é a Turf. Seguindo a moda do rock retrô, lançada pelos Strokes e seguida por outras dezenas de grupos, nos quatro cantos do planeta, o quinteto está bem na parada. Isto por causa do lançamento do seu novo rebento, o cd “Para mi Para vos”, distribuído pela EMI e convincente a partir da capa monocromática com o nome da banda e desenhos dos rostos dos integrantes. Charly Garcia, pra variar, marca presença numa das faixas. Além do Turf, tem o Babasonicos (não confundir com o Baba Cósmica, a ex-banda sofrível do agora produtor Rafael Ramos) que anda fazendo bastante sucesso, concorre a quatro categorias na premiação da MTV Latina deste ano – graças ao clipe de “Putita” - e vai fechar um das noites do festival mencionado acima e patrocinado pela cerveza nº 1 deles. É importante dizer que o Quilmes Rock é um evento de pop e rock latino-americano e, sendo assim, tem apenas dois estranhos no ninho nesta edição – o Offspring e o The Wailers. Compensando este pequeno furo, estão escaladas as principais pratas da casa, além de representantes mexicanos de primeiríssima linha – Molotov e Café Tacuba – e, por que não, brasileiros? Os Paralamas do Sucesso vão se apresentar na penúltima noite do festival, justamente, no domingo dia 17, quanto tocam Turf e (olha ele de novo!) Charly Garcia.

Esta é só uma pequena amostra de como anda toda efervescência portenha, quando o assunto é rock. Lá, até o fim do ano, também vão rolar shows do circuito internacional como PJ Harvey, Primal Scream, Chemical Brothers e, de quebra, Morrissey. Enquanto isso, na terra de Pelé, Tom Jobim, Paulo Coelho(!!!) e Lula, a revista mais interessante de música pop que circulava – a Zero - dá os últimos suspiros e o Rock in Rio foi parar em Portugal! Que mierda!(TM)

[velho esquema] - Lobão “Noite” (1998)



Antes de uma classificação formal como sendo uma obra musical, “Noite” funciona como documento fiel da tensão pré milênio que se acometeu no final da década passada. Os vestígios espalhados por Lobão nessa obra parecem óbvios: amor versus escapismo, eletrônica versus canção, sonho versus realidade, underground versus mainstream, pessoal versus coletivo. Coincide em abordagem com “Ok Computer” do Radiohead, lançado um ano antes e que, já antecipava definitivamente para os próximos séculos o requiém do século passado. Guardadas as devidas proporções( proporções essas menores do que a gente pensa), o veterano lobo fechou a tampa do caixão em um disco que esbanja lirismo e, opa, modernidade em um mix felicíssimo de abordagem poética/musical sofisticada.

Segundo disco de uma (hoje)bem sucedida experiência sem precedentes no Brasil, “Noite” é a confirmação do projeto pessoal/profissional de Lobão. Sim ,porque ,o trabalho anterior, “Nostalgia Da Modernidade”, ( que aliás ,seria um batismo mais acertado para “Noite”) ainda soa um esboço, uma obra mal resolvida de um artista ainda inseguro sob as amarras tradicionais da industria fonográfica brasileira- a música de novela, o jabá das rádios, a falta de compromisso dos artistas tupiniquins em se manterem atuais e ativos com os rumos da evolução musical. O acerto de contas vem nessa primorosa coleção de 11 músicas que driblam o batimcum fácil da eletrónica , já em vias de se tornar comum no Brasil de 98 e dando rasteira em muita gente grande( vide Barão Vermelho e seu “Puro Êxtase”), e garantem a canção como ponto fundamental. Todas as músicas trazem loops, samples e outros bichinhos, mas sempre preservando o pilar fundamental da música pop: a harmonia, a melodia, o refrão, a canção enfim.

“Noite” abre o disco com tecno e riffs energéticos de guitarra e vem em ritmo de “sábado - a noite -enfurnado- na pista de dança -e -procurando pelo- terceiro -ecstasy”, retrato fiel de uma cultura que estava, a bordo dos fundamentais discos de Prodigy, Chemical Brothers e Underworld , se instalando no cotidiano classe média brasileiro e que logo, logo iria merecer capa de grande revista. Então, pouco importa se a alegria é química e se o amor é apenas um jeito de corpo( “A noite me devora e faz pensar que eu sei amar” cita a letra); o que vale é dançar o que puder, como se não tivesse nada mais o que dançar.. .”Noite” , a canção, fornece apenas o cenário. A partir daí, Lobão passa a uivar o amor, a solidão (“Sozinha Minha”, um de suas melhores baladas e “Hora Deserta”, drive maníaco de guitarras, genial), o tédio( “Samba Da Caixa Preta”), o sexo (“Me Beija”), a morte e, principalmente, a vida, embalada pela road song “Na Poeira Do Mundo”. Portanto, “O Grito” confirma o sábio/sóbrio Lobão na certeza da certeza que faz o louco gritar ,como ele canta, claro, gritando.

“Noite” sumariza as pretensões do artista calejado pelos eufóricos anos 80, pela ressaca do início dos anos 90 e satisfeito sendo um corpo estranho no final desta mesma década com sua trip solitária dentro do mercado fonográfico. Familiarizado com a loucura, longe do desespero sintetizado pela pintura eterna de Van Gogh o que aparece aqui é o espectador veterano transformado num narrador atento dos nossos tempos indefinidos. Quanto aos desafios propostos por Lobão, sintetizados no primeiro parágrafo, “Noite” responde em um disco/declaração de princípios subestimadíssimo ainda hoje, e que preparou o terreno para o trabalho seguinte. Lobão precisou descobrir que “apenas explodindo a razão, transcendendo o juízo e até o gozo, por simplesmente amar” (versos da obra prima “Do Amor”, que cita carinhosamente Tom Jobim), poderia constatar que a vida é doce. (TP)