[nº11 - O jazz é pop ou o pop está ficando cada vez mais jazz?]
Você é daqueles que nunca deram muita bola pro jazz, mas curtem a Norah Jones? E agora gostou de um garoto que fez uma versão para “Wind Cries Mary” de Jimi Hendrix, numa levada jazzística? Não, você não está abandonando a música pop para flertar com um estilo mais sisudo e pomposo. É que o pop radiofônico anda tão desnorteado que foi pedir socorro pro “primo rico”! Chega uma hora que não dá pra diluir mais a Alanis Morrisette. A solução passa do “ponto Avril Lavigne” e fica insossa de tal forma que não serve pra mais nada. As gravadoras parecem ter sacado isso e foram atrás de alguém que tivesse talento nato (ainda bem!), estilo próprio (milagre!) e, por que não, uma apresentação estética, no mínimo, classuda! Já que figuras como a cantora Macy Gray foram desclassificadas na última etapa, uma loira, uma morena e um garoto ficaram com as vagas para ingressarem no pop. Com a cancha do jazz, Diana Krall, Norah Jones e Jamie Cullum fazem parte desse mercado, de uns tempos pra cá, sem tirar a âncora do velho porto.
É claro que os puristas e fiéis seguidores do gênero representado pelos mestres Charlie Parker, Ella Fitzgerald, Chick Corea, Miles Davis e tantos outros - os mesmos que devem ter comprado os ingressos do Club para a próxima edição TIM festival e não estão nem aí pro Brian Wilson, muito menos pra PJ Harvey e Primal Scream - não devem considerar a trinca citada acima como parte do seleto clube de quem só ouve “música de gabarito”(!!!), tomando whisky envelhecido por 12 anos ou mais e balançando as jóias – ave, John Lennon - e também as pedras de gelo. Fato é que ninguém pode frear algo que tem apelo popular. Nem quando esse algo tem pouco do ar blasé, o nariz empinado e a pose de superioridade do jazz. Com um rostinho bonito e charme a mais, no caso de Norah Jones, uma cabeleira loira e forte sex appeal, no de Diana Krall, e um estilo meio moleque e despojado, típico da juventude, no de Jamie Cullum, não há jazz que resista a uma cantada pop.
Quem quiser comprovar isto bem de perto, poderá ir a São Paulo ou ao Rio conferir - ao vivo e a cores – algum dos shows que Norah Jones está pra fazer no Brasil, dentro do projeto ‘Divas do Jazz’. Esse mesmo projeto pode trazer, em seguida, no mês de janeiro, a loiraça Diana Krall. E onde fica o “lord inglês” Jamie Cullum? Te esperando na prateleira mais próxima das lojas de discos ou nos sites e programas de trocas de arquivos musicais, na internet. “Twenty Something” é o disco desse “moleque atrevido” que lançou há pouco seu terceiro trabalho, nos moldes de Harry Connick Jr., gravando a já citada versão para Hendrix e outras ainda mais corajosas como “Lover, You Should’ve Come Over” do inesquecível Jeff Buckley.
Diante da trinca Norah-Diana-James você pode dizer quase tudo. Que eles estão vestindo o jazz com uma roupagem pop só pra ganhar um trocado a mais, que o som deles não passa de ‘cool jazz’ pra publicitário ouvir e por aí vai. O que não pode ser dito é que foram forjados pela indústria fonográfica. Muito menos que a música feita ou interpretada pelo trio deixou de ser jazz e, conseqüentemente, ter qualidades porque toca em algumas fms. Se até o Papa pode ser pop (e os Engenheiros do Hawaí, rock), por que não o jazz, de bambas? (T.M.)
[velho esquema]
Grant Lee Buffalo “Fuzzy”
Uma das teorias que permeiam os anos 90 é a da produção musical dita “alternativa” ou underground sendo capturada pela indústria fonográfica a partir do momento em que “Nevermind”, a obra-síntese dessa relação, passou a galgar os postos mais altos das paradas de sucesso norte-americanas. As majors passaram a acreditar que seria lucrativo investir em qualquer banda vinda dos suados porões da América, uniformizadas em trapos sujos e tocando Black Sabbath (ou qualquer outra reminiscência heavy/hard setentista-) em baixas rotações, para usar um clichê da crítica. Bastava uma leve intenção, digamos, de soar “alternativo” que o contrato estava assinado. Surgiram então milhares rascunhos de bandas, mal resolvidas, que espertamente investiam no visual certo, no modo certo de cantar, e é possível pensar que tudo isso foi dar no Hootie And The Blowfish, no Nixons, no Days Of The New- afinal se tudo é alternativo, nada é alternativo, certo? Mas enfim, essa não pretende ser uma história de mocinhos e vilões - os cínicos anos 90 não suportariam isso.
O Grant Lee Bufalo era mais um desses grupos que - apesar dos anos de ralação de seu mentor Grant Lee Phillips no underground (co-liderando o Shiva Burlesque) - foram desovados pela maré grunge e catalogados como mais um grupo de música alternativa, recebendo com isso as portas abertas para o mainstream. A diferença é que, enquanto outros colegas de geração se espelhavam em pesos pesados, o GBL instigava, fazendo suas paisagens sonoras em bucólicas baladas de forte acento folk inspirados por Neil Young, Bob Dylan, Van Morrison, e resgatando a melhor purpurina de Bowie em sua fase glam em rocks melódicos e estridentes. Com isso, a banda compôs discretas obras primas da década, que não criam poeira na estante, como a estréia “Fuzzy” e o não menos magnífico “Mighty Joe Moon”.
“Fuzzy” pode ser considerada uma das melhores estréias perpetuadas nos anos 90, pau a pau com outra maravilha contemporânea, “Automatic For The People”, do R.E.M.. A comparação com Michael Stipe e companhia procede: o mesmo magnetismo folk/guitar/pop encontrado nestes foi uma das armas para que Grant Lee Phillips moldasse sua música. Não por acaso, o GBL dividiu o palco com o REM durante seus primeiros anos.
Mas longe de ser um primo pobre (como acusam alguns), o GLB de “Fuzzy” consagrava seu caráter personalista no registro rouco/emocionado da voz de Philips e na capacidade do baixista Paul Kimble em sintetizar nos seus arranjos o jazzy e o glam com idêntica competência, provada em gemas como “The Shining Hour” e no delicioso conto de “Júpiter And Teardrop”, esta embalada em riffs que remetem á guitarra de Mick Ronson, fiél escudeiro de David Ziggy Stardust Bowie. E, acima de tudo, pesa o respeito do trio pela arquitetura sagrada da música popular: a canção. Aqui ela aparece em todo seu esplendor: na suprema faixa título e seus versos arrepiantes, na languidez folk de “The Hook”. Termina apaixonante, nos graciosos versos de “You Just Have To Be Crazy” (“You just have to be starry, baby/You just have to be chocolate cake”). Sabem pegar pesado também, como nos power chords de “Grace” e “America Snoring”, rocks grandiosos, barulhentos, mas que não escapam da marca registrada de tudo que vem da abençoada garganta de Phillips: a beleza.(T.P.)
Para entrar no esquema: colunaesquemanovo@hotmail.com