[esquemaNovo]

Versão virtual da coluna [esquemaNovo] sobre música pop, produzida por Thiago Pereira e Terence Machado e publicada, todas às quintas no jornal "Hoje em Dia".

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Local: Belo Horizonte, Minas Gerais, Brazil

Pai, católico não praticante, taurino (por teimosia, hehehe), cruzeirense não ortodoxo, ainda jornalista, ex-baterista com recaídas frequentes, ciclista "pós-amador".

sábado, junho 18

["Vá de retro, Satanás" porque Jack e Meg estão de volta à cidade!"]



Num julgamento rápido pode parecer que está coluna dá atenção demasiada ao casal Meg e Jack White. Só que num período relativamente curto, o primeiro semestre deste ano, essa dupla ultradinâmica do pop atual chacoalhou o mercado mundial três vezes. Foram ações diferentes, dois lançamentos distintos e uma nova turnê, cercados por um diferencial e tanto: qualidade. O dvd “Under Blackpool Lights” teve seus maiores atributos levantados, aqui no [esquema novo], há pouco tempo. Falta, então, falar de “Get Behind Me Satan”, o novíssimo cd, e da sua turnê de divulgação que acaba de passar pelo Brasil.

Partindo do pressuposto de que o White Stripes é um “gato de sete vidas”, pois a longevidade é algo cada vez mais raro no feirão da música popular descartável, poderíamos afirmar que esse novo disco é a quarta reencarnação do grupo de listras pretas, vermelhas e, principalmente, brancas. Cumprindo o seu papel no “corpo” iniciado em Detroit, no ano de 1997, o “espírito roqueiro” reaparece ainda mais evoluído do que nas últimas investidas – “White Blood Cells” e “Elephant”. Dessa vez, já chegou exorcizando os demônios que certamente o atormentaram no passado. Duas imagens do encarte antecipam, visualmente, as intenções. Numa delas, o lugar que seria de Meg é ocupado pela virgem Maria. E na outra, as mãos do casal quase se tocam, numa alusão ao “Juízo Final”, pintado por Michelangelo, na capela cistina. Religião e rock, pão e circo reunidos com brilhantismo. Também, o título “Get Behind Me Satan” já diz quase tudo. É algo como “vá de retro, Satanás”. E pra chegar ao atual estágio evolutivo, Jack e Meg White continuam dando seu recado de forma arrasadora, fazendo quase todo mundo esquecer que o White Stripes é um grupo de rock ‘n roll aleijado – digamos! Não tem baixista e se vira nos 30, 40 ou no tempo que for preciso com uma baterista limitadíssima. Como qualquer portador de deficiência, o duo consegue suprir a falta de um membro, a partir do desenvolvimento exacerbado de outro. E esse outro é o vocalista e guitarrista Jack, dono de um talento ímpar no hype contemporâneo. É mais do que a foca que equilibra a bola (no caso, a Meg), na ponta do nariz. É também o palhaço de roupa e bigode engraçados que leva o público ao delírio, cantarolando músicas e revelando arranjos que parecem piadas pop de tão boas. Um bom exemplo das suas graças é “My Doorbell” – terceira faixa do recém-lançado trabalho. E quando precisa domar sua ferina guitarra o faz com chicotadas intimidadoras e dignas de respeito e subserviência. É o que se vê, no momento em que, fora da jaula, a fera do hard rock ruge, mostra as garras, mas está o tempo todo sob o absoluto controle do seu domador. Faixas como “Blue Orchid” e a acachapante “The Denial Twist” dá mostras explícitas de como Jack liberta criaturas perigosas, entre elas AC/DC e Led Zeppelin, mas nunca deixa que tomem conta show e nem provoque maiores estragos.

Em outros momentos bem mais bucólicos, até porque eles são predominantes em “Get Behind Me Satan”, marimba, piano e violão compõem a trilha para alguns dos melhores e inesperados números do rock ‘n roll circus criado pelo White Stripes. O primeiro é apresentado logo de início no espetáculo, envolvendo uma enfermeira – a minimalista “The Nurse”. O picadeiro dá lugar a cowboys, fantasmas, cavalos, bailarinas e equilibristas, no country “Little Ghost”. A inspiração caipira ainda uiva de melancolia em “White Moon”. E essas duas faixas remetem à banda que Jack ajudou a criar no clima rural do filme “Cold Mountain” estrelado por Nicole Kidman e a ex-senhora White - Reneé Zellweger. Pra platéia nunca apagar da lembrança a base dos outros espetáculos do grupo, blues e rock rasgados, rodeiam “Instinct Blues” o equivalente ao “globo da morte”, no cd show do casal White.

É normal uma banda incomum fugir do lugar comum até na hora de escolher onde pretende descer a lona. O exotismo do White Stripes trouxe a nova turnê ao Brasil com uma das datas, em Manaus, num show que se confirmou histórico, pelas próprias circunstâncias selvagens. Tudo ficou ainda mais pitoresco porque Jack saiu do Amazonas casado com a modelo inglesa Karen Elsen, numa cerimônia realizada por um pagé, em cima de um barco, no encontro das águas do Rio Negro com o Solimões. Quer maneira mais espiritual pra ficar de bem com a vida e espantar o demo? “Cruz credo”, deve ter pronunciado o capeta, com o rabo entre as pernas, diante de mais uma redenção do White Stripes.(Terence Machado)

terça-feira, junho 7

[Sobre meninos e lobos - e fantasmas também]



Depois de mudar o panorama do mercado fonográfico atual, conciliando música nova de qualidade fora do esquemão das majors, o que esperar do músico Lobão? Muita coisa, outra coisa e com certeza, coisa boa. Afinal, ele mesmo já deveria ter percebido a responsabilidade que teria ao lançar seu disco em sua própria revista, seguindo o alto padrão de qualidade estabelecido desde o primeiro número da Outracoisa, que encartava o suíngue sangue bom de “Enxugando Gelo” de BNegão e Os Seletores de Freqüência. E que depois foi colecionando acertos, ranqueando alguns trabalhos como grandes sopros de criatividade na nova MPB, casos de Mombojó , Rogério Skylab e Quinto Andar. Se a proposta editorial da publicação ainda não se mostra tão bem resolvida, ela cumpre com perfeição seu papel de renovar a música brasileira - “constranger as gravadoras”, como vive afirmando o músico /editor chefe.

Mas chega de verdades: sentia-se falta do músico, poeta, showman, encarnaçoes tão necessárias quanto à do empreendedor radical que aposta no mercado alternativo. Se a primeira experiência como exilado do mainstream se mostrara mais do que certeira (“A Vida É Doce”, seguramente um dos melhores discos nacionais da década passada) existia a dúvida de como se comportaria agora, confortavelmente abraçado pelos valores do subterrâneo, celebrado como mentor de um underground que ainda não sabemos até onde pode chegar. Recebeu o título de personalidade do ano de 2004 no último Prêmio Claro de Música Independente, prometeu parcerias com os pupilos do Cachorro Grande; além de divulgador, parece perfeitamente integrado a jovem guarda de nossos dias... Mas, por mais que ele fuja, seu trabalho é fruto (proibido?) dos anos 80 e sendo assim compactua os mesmos méritos que seus colegas de geração quando comparados com os novos artistas. Méritos como qualidade técnica e principalmente, conteúdo em letra e forma. A diferença que o lobo pode reivindicar é que seus acertos são maiores e melhores que os outros e “Canções Dentro Da Noite Escura” seu novo trabalho, reafirma isso.

Um disco de gente grande, de assustar cachorros, por maiores que estes sejam. Pairam sobre as novas canções algumas atmosferas já criadas nos trabalhos inéditos imediatamente anteriores (“Noite” de 97e “A Vida é Doce” de 99) e que revelaram audições de Portishead, Massive Attack, Paulinho da Viola, Tom Jobim entre outras, mas agora adicionada, ao peso exposto no dispensável ao vivo “2001-Uma Odisséia no Universo Paralelo”. Mas a guitarras em primeiro plano agora se mostram mais necessárias, bem encaixadas, pautadas por seu currículo setentista (de quem guarda na memória afetiva discos do Grand Funk Railroad) até a timbragem mais moderna de Nine Inch Nails e Queens Of The Stone Age. Verdadeiros esporros musicais/existenciais como “Depois Das Duas” e “O Homem-bomba” autenticam a proposta, assim como se revelam os trechos mais sufocantes, sombrios e... chatos, nessa caminhada pela noite escura. Melhor quando recupera o grande melodista de sempre, unindo bons ganchos com os habituais acertos líricos (“O impossível é uma droga poderosa/Perigosa o bastante para se inventar a fé/ Para se acreditar na fé”, versa “A Balada Do Inimigo”). Claro, existem sempre as discordâncias, as dúvidas do quanto é válido e verdadeiro essa metralhadora verbal do cantor. Mas sempre será assim quando se trata de Lobão - e hoje esta munição se faz mais necessária que nunca. Mesmo com todo confete na nova geração, o homem parece sozinho, e este é um disco sobre solidão e os fantasmas que a habitam.

Portanto, coincidência ou não, são justamente em suas parcerias que estão melhores dosados os ingredientes que temperam “Canções dentro da noite escura” com um gosto de sol. O reencontro artístico dele como Cazuza e Júlio Barroso (ambos já falecidos), antes de oportunista parece retificar a idéia de que os dois estão ali, não só como os fantasmas que passeiam pelo Leblon descritos no álbum, mas também por perto e vivos dentro de Lobão, um dos poucos sobreviventes de um restrito grupo que fez da poesia, do trinômio sexo drogas e rock ‘n roll um remédio antimonotonia tão raro nos dias de hoje. “Seda” foi entregue por Lucinha Araújo, mãe do exagerado, para Lobão que musicou os versos afiados (“Agora que a seda transformada em trapos/ Já não me atrapalha movimentos/ Nem me aperta os sapatos”) em cadência bluesy chorada, aparentando – a com “Lullaby” do último disco ao vivo. O resultado soa naturalmente belo, assim como “Quente” e a linda “Não Quero Seu Perdão” parcerias com o fundador da Gang 90 Júlio Barroso (e Tarciana Barros, viúva de Barroso, na última). A primeira foi entregue a Lobão no interior paulista, por um músico que participou dos últimos shows da Gang 90 e que garantiu ser este o último escrito do poeta. O resgate virou um uivo sereno, emoldurado por um cello. Já “Boa Noite Cinderela” assume a sua identificação com Cássia Eller, elo quase solitário encontrado pelo compositor durante os anos noventa. “Eu só queria cantar mais um pouco/ Pra te ter mais um pouco” assume Foi escrita na noite da morte da cantora.

Não é um trabalho fácil e nem poderia ser, vindo de quem vem. Lobão oferece um exercício pouco atraente: numa comparação direta, perde as sutilezas bem medidas em “ A Vida é Doce” a favor da amplificação, do barulho. Mas por outro lado, retoma a urgência exposta no subestimado “Noite” em cançoes mais lapidadas. Destaque também a boa produção de Carlos Trilha, que tem no currículo os últimos trabalhos em vida de Renato Russo.Parece estranho, mas entre os meninos e os fantasmas, Lobão escolheu a segunda opção para ressurgir musicalmente. Mas vindo de quem vem... Um dos grandes trabalhos do ano são essas cançoes dentro da noite escura. (T.P.)

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